Filantropo acreano diz que, com a pandemia, fome já está matando pessoas no Estado

Antes da pandemia do novo coronavírus, que no Acre passou a ser registrada em março de 2020, a fome já era grande em todo o Estado, principalmente na Capital Rio Branco, que detém o maior contingente populacional e já registrava o maior número de pessoas famintas. O que antes era restrito aos bairros periféricos e às pessoas em situação de rua no centro da Capital, se alastrou por toda Rio Branco.

A constatação é de quem conhece o assunto de perto, como o empresário Manuel Miranda, o qual, por iniciativa própria, passou a distribuir sopas na cidade, principalmente na periferia, dias antes do início da pandemia do coronavírus. “Era apenas uma forma de ajuda, agora eu percebo que se trata de uma necessidade. Infelizmente, já há pessoas cujo único alimento é o que distribuímos”, diz o empresário, que defende a criação, com urgência de um fundo estadual de combate à fome. “Ouso dizer que é preciso fazer algo porque a fome já esta matando pessoas no Acre”, disse.

Segundo ele, o fundo de combate à fome seria possível com a intervenção do Governo do Estado e de todos os poderes. Manuel Miranda defende a doação, pura e simples, de quantias ínfimas, na base de centavos, de cada servidor público, dos três poderes, para este fundo. “Penso que, se cada vereador, cada deputado, cada secretário, cada juíz ou promotor, que ganham mais ou menos, puder doar um pouco mais, a cada mês teremos uma boa quantia para investir na aquisição de alimentos”, disse. “Penso que este fundo poderia ser gerido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle, com fiscalização do Legislativo e do próprio Governo. O próprio Governo poderia incentivar o fundo destinando pequenas quantias de todas as suas operações. A iniciativa privada também poderia participar, doando pequenas quantias de seus lucros”, acrescentou.

A outra linha de combate à pobreza e à fome, segundo o empresário, seria a reutilização das margens do rio e outras áreas com um amplo programa de plantio de verduras e frutas. A ideia é que pessoas que viviam às margens do rio Acre, em bairros considerados como áreas de riscos e que foram transferidos para bairros como o Cidade do Povo, continuassem “donos” dos terrenos onde moravam anteriormente. “Com um acordo com a Marinha, que é a real responsável por essas áreas, o Governo poderia criar um programa de hortifrutigranjeiros cultivados nessas áreas. De acordo com a estação, as pessoas que anteriormente moravam nessas horas, voltariam para cultivar seus plantios, de frutas, verduras e legumes. Elas só não poderiam edificar novas casas no local”, diz Manuel Miranda. “A produção poderia ser vendida para o próprio Governo para ajudar as casas assistenciais, escolas, hospitais e penitenciárias. Além disso, o governo daria apoio e assistência técnica a essas pessoas”, detalha o empresário. “Seria uma ação de mão dupla, de combate à fome e ao desemprego”, diz.

Miranda disse que vai levar a proposta ao governador Gladson Cameli, a quem vai pedir apoio. “Já fui questionado se, por trás disso, não há interesses políticos. Eu digo que não. Meu interesse é contribuir de alguma forma para matar a fome das pessoas, porque sou testemunha do quanto isso está sendo perigoso para a nossa comunidade. O tecido social do Acre está sendo destruído por causa da fome, que contribui para outros crimes, os de roubo e do tráfico de drogas”, disse o empresário. Segundo ele, nas filas de entrega de comida nos bairros pobres da cidade, de cada dez pessoas, pelo menos a metade, entre homens e mulheres, usam tornezeleiras eletrônicas – fruto de condenação por crimes de roubo e tráfico de drogas. “É claro que há exceções, mas muitos desses criminosos, entre homens e mulheres, cometeram tais crimes na luta desesperada pela sobrevivência. Não precisa ser sociólogo para identificar isso. A gente percebe quando chega para entregar os alimentos e donativos e percebe os olhos dessas pessoas entre um misto de alegria e satisfação”, disse Miranda.

O empresário revela que consegue fazer as doações garças às articulações com a própria comunidade. Em visitas prévias, as casas que vão servir de base para o cozimento dos legumes, verduras e outros produtos que vão nas sopas são escolhidas. Depois, alguém da comunidade, que conhece a vizinhança, chama os que mais precisam para receberem os donativos. “Mas descobrimos uma outra estratégica: entregar os produtos frescos, sem cozimento, para que as pessoas possam cozinhá-los quando mais precisarem, quando a fome mais aperta, porque o atendimento com sopa tem hora marcada. O problema aí, no entanto, fica por conta do preço do gás, superior a R$ 110 a botija. Cozinhar com carvão também virou problema por causa do preço. Uma saca de carvão, que dá no máximo para três vezes no fogareiro, é em torno de R$ 8,00. Há pessoas que ficam semanas sem ter acesso a tal quantia”, disse Miranda.

Os legumes, algumas frutas e verduras distribuídos nesses bairros, de acordo com o empresário, é decorrente de parcerias que ele conseguiu montar com empresas da iniciativa privada, que fazem as doações. O empresário não revela quais empresas nem as quantidades. “O que posso dizer é que o que fazemos, para quem não tem nada e passa dias sem comer, é muita coisa. Mas ainda é muito pouco frente ao quadro de miséria que estamos vivendo e que só tende à crescer frente ás necessidades pós-pandemia”, disse Manuel Miranda.

Segundo ele, a crise no Acre é bem maior do que aquela vivenciada em Cuiabá (MT) e em outras cidades nas quais as pessoas fazem filas em portas de açougue em busca de ossos com alguma sobra de carne para garantir a ingestão de alguma proteína animal, fundamental para manter a energia vital do corpo humano. “Mas e aqui, que nem ossos temos?”, indaga o empresário, cuja pergunta fica sem resposta.

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