Manaus tem mais de 600 homicídios em 2021 e sofre com déficit de policiais em delegacia especializada

De janeiro a agosto deste ano, Manaus registrou 651 homicídios, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. Em oito meses, a quantidade de assassinatos chegou quase ao mesmo número registrado em todo o ano de 2020, quando houve 657 homicídios na capital. Em 2019, antes da pandemia, foram registradas 839 mortes.

E todo crime desse tipo que ocorre em Manaus é investigado pela Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS), que conta somente com 19 investigadores para elucidar os casos de assassinatos.

Há 12 anos a Polícia Civil não realiza concurso público para integração de pessoal. O déficit de servidores é um problema que sobrecarrega os agentes.

Questionada, a Secretaria de Segurança Pública informou que tem reforçado incursões em bairros com altos índices de criminalidade e que tem sido fortalecido o combate ao tráfico de drogas, que é o crime que gera mais de 80% dos homicídios.

O último concurso para a Polícia Civil do Amazonas foi realizado em 2009. A lei nº 2.875 de 2004 – que institui o plano de classificação de cargos, carreiras e remuneração dos servidores da Polícia Civil – apresenta um número total de vagas a serem ocupadas, que estruturam os cargos.

Desde o último concurso, o Amazonas teve uma expansão demográfica considerável, o que exigiria um número maior de servidores em relação à população. O Sindicato dos Funcionários da Policia Civil do Estado (Sinpol-AM) aponta também outros motivos que aumentam o déficit de profissionais, como exonerações, aposentadorias e mortes de policiais.

Atualmente, a Polícia Civil no estado conta com 1.855 policiais divididos entre delegados, investigadores e escrivães. Confira: Veja abaixo:

Servidores da Polícia Civil do AM

Delegados de polícia 211 (vagas ocupadas) 435 – vagas disponíveis
Investigadores de polícia 1243 (vagas ocupadas) 912 – vagas disponíveis
Escrivães de polícia 401 (vagas ocupadas) 254 – vagas disponíveis
Total 1855 1601

“É um número insuficiente, precisamos da reposição de pessoal. Os policiais civis estão muito sobrecarregados e, considerando o tempo desde o último concurso, que foi em 2009, nós temos a necessidade de reposição do pessoal”, afirmou o presidente do Sinpol do Amazonas, Jaime Lopes.

Enfrentando a carência de recursos e um efetivo insuficiente, os servidores dizem que trabalham como podem.

Presidente do Sinpol-AM, Jaime Lopes — Foto: Eliana Nascimento/G1 AM

Presidente do Sinpol-AM, Jaime Lopes — Foto: Eliana Nascimento/G1 AM

Muitos crimes para poucos policiais

O g1 apurou que a Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros conta somente com 19 investigadores no expediente da unidade para elucidar diretamente os homicídios de todos os bairros da capital. Conforme IBGE, oficialmente, Manaus possui 63 bairros, porém, existem grandes regiões que não são reconhecidas pela prefeitura, mas que integram os bairros.

Os 19 investigadores do expediente são divididos em quatro zonas: Sul/Centro-Sul, Centro/Oeste, Norte e Leste. Além dos investigadores, a unidade conta com cinco delegados e mais 15 policiais plantonistas, que colhem as informações iniciais e passam para os policias que atuam no expediente.

Movimento da DEHS, em Manaus — Foto: Eliana Nascimento/G1

Movimento da DEHS, em Manaus — Foto: Eliana Nascimento/G1

O bairro Jorge Teixeira, na zona leste, por exemplo, é o segundo mais populoso da capital. Somente em sete meses de 2021, a região registrou 82 homicídios. A equipe que investiga os casos é da área Leste, e conta com um número reduzido de agentes.

“Inegavelmente, esse problema decorre da carência de policiais. Por isso, faço um apelo publicamente para a delegada-geral e para o diretor de Polícia Metropolitana: que possam rever essa situação de todas as delegacias, em especial, da Homicídios e das Centrais. Os policiais que trabalham na homicídios são colegas qualificadíssimos, que tem a expertise para apurar o crime que é a maior responsabilidade que o estado tem”, disse o presidente do Sinpol, Jaime Lopes.

A DEHS também não conta mais com delegados e escrivães nos plantões, o que dificulta e prejudica a elucidação de casos. Quando um homicídio era registrado, o delegado plantonista ouvia de imediato as testemunhas.

Segundo policiais, a medida sobrecarregou as centrais de flagrante por conta do acúmulo de mais uma atribuição: atender local de crime.

“Quando acontece o homicídio, o melhor momento para investigar é na cena do crime, de imediato. As testemunhas estão no calor da emoção, contam detalhes do crime e há rapidez. Agora, elas somente são ouvidas dias depois. Às vezes, perde a testemunha, perde os depoimentos e isso dificulta a investigação” , diz Lopes

g1 apurou que os equipamentos que o governo entrega para a Polícia Civil e podem auxiliar em trabalhos investigativos, muitas vezes, não contemplam a DEHS. Em dezembro de 2020, a Delegacia chegou a receber uma van da Secretaria de Segurança Pública que deveria ajudar nas investigações em locais de crime. O veículo apresentou problemas e foi recolhido da sede.

Já o Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) conta com somente 11 investigadores, dois delegados e três escrivães. Quando a nova sede do DRCO foi inaugurada, em fevereiro de 2020, a equipe do departamento era composta por 11 investigadores da equipe de operações, três investigadores na busca eletrônica, cinco investigadores na análise criminal, quatro escrivães e quatro delegados.

Van foi entregue para a DEHS em dezembro de 2020 e deveria ser usada em locais de crimes — Foto: Polícia Civil

Van foi entregue para a DEHS em dezembro de 2020 e deveria ser usada em locais de crimes — Foto: Polícia Civil

O que diz a Polícia Civil?

 

O Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) informou ao g1 que busca otimizar o andamento das ocorrências policiais e realocou os delegados plantonistas da DEHS para os demais Distritos Integrados de Polícia (DIPs) da capital, “sem causar nenhum tipo de prejuízo as investigações dos crimes de homicídios e sequestros”.

Com essa medida, a PC informou que o atendimento à população continuará com o mesmo rigor, bem como a atuação policial em todas as zonas da cidade, que contará com “um suporte mais assertivo e eficaz”.

O delegado Alessandro Albino, diretor do DPM, disse que os delegados plantonistas das centrais de flagrantes suprirão a ausência das autoridades policiais da DEHS no local do crime, tendo em vista que as testemunhas e as vítimas, que anteriormente eram ouvidas na Especializada, passarão a ser ouvidas na respectiva central de flagrante que atender a ocorrência.

“Com a alocação dos servidores nas demais delegacias, o trabalho será otimizado e de lá, continuarão realizando o mesmo procedimento, de ir ao local de crime; o delegado fazendo o acompanhamento e suporte jurídico necessário, e o investigador de polícia da DEHS produzindo o relatório do delito”, explicou.

O delegado relatou que essa “reorganização” foi feita pelo fato da DEHS realizar poucos flagrantes. Tendo em vista isso, as DIPs precisam e demandam mais a presença de um delegado para a realização de procedimentos como a lavratura de Auto de Prisão em Flagrante (APF) e Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), algo que o plantão da Especializada realizava em números menores.

Manaus possui 30 Distritos Integrados de Polícia, além de 16 unidades especializadas e departamentos como o de Repressão ao Crime Organizado, Departamento de Polícia do Interior, metropolitana, entre outros. Atualmente, a capital possui quatro centrais de flagrante que funcionam 24 horas e atendem as zonas Sul, Norte, Leste e Oeste. (1º, 6º, 14º e 19º DIP).

Delegacia de Iranduba, no Amazonas — Foto: Matheus Castro/G1

Delegacia de Iranduba, no Amazonas — Foto: Matheus Castro/G1

Delegacias do interior e acúmulo de funções

Diferente da delegacia de homicídios, que conta com poucos policiais, o portal da transparência do Governo do Amazonas mostra que a delegacia de Iranduba, na região metropolitana, conta com 50 servidores lotados. No dia 15 de agosto, quando a última fuga foi registrada na unidade, apenas um policial estava no local. Ele levou uma coronhada e foi rendido pelos detentos, que fugiram. Três fugas foram registradas na delegacia de Iranduba em pouco mais de dois meses.

“…O problema da falta de servidores afeta todas as unidades da capital e do interior. No interior, nós temos esse agravante, que é o fato dos policiais serem condicionados à custódia. É acúmulo e desvio de função. Os colegas estão sobrecarregados duplamente: primeiro pela carência de servidores, segundo pelo acúmulo de função”, disse Lopes.

Sete delegacias instaladas em sete municípios do alto Solimões não contam com delegados: nas cidades de Benjamin Constant, Atalaia do Norte São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins, os investigadores acumulam o cargo de gestor nas cadeias públicas e falta efetivo para investigar crimes. E somente o município de Tabatinga possui titular.

Para o Sinpol, não é ilegal que investigadores e escrivães ocupem os cargos de gestores de delegacias. Segundo Jaime Lopes, há uma legislação estadual que tem a sua presunção de constitucionalidade que foi aprovada ainda no ano de 2017.

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