Artigo: Ética e estética do jornalismo como fonte de pesquisa e documento histórico

Os cursos de pós-graduações estão repletos de pesquisadores ávidos pelos conteúdos jornalísticos. Habita neles a resposta para muitas perguntas, o desvendar de mistérios que a superfície da história, antropologia e sociologia em dados momentos não rememoram.

O olhar crítico do sujeito jornalista que ora comunica, mesmo embutido em ideologismos e subjetivismos concretos e abstratos, atrai os instintos humanos incansáveis pelo questionável e o silêncio do não dito.

Ir além do óbvio. Compreender os significados e significantes dos discursos que transitam nas textualidades midiáticas é uma proposta ousada do ponto de vista científico, porém necessária para que o próprio autor discursivo observe e reflita sobre sua compreensão das palavras e das coisas pensadas, faladas e reverberadas sobre o Outro através da tecitura impostas por suas mentes sempre alertas aos fatos cotidianos.

Os textos jornalísticos são por si só repletos de problemáticas diversas uma vez que retratam rotinas de sociedades em movimento em interações culturais, políticas e sociais constantes. Nesse contexto, estão contidas as vivências e saberes não somente dos sujeitos protagonistas das matérias midiáticas, mas também do sujeito autor (jornalista).

Os manuais de redação e estilo biblicamente adotados pelos profissionais de imprensa ensina que o sujeito autor dos textos devem permanecer neutros acerca dos fatos por eles narrados, dando, portanto, ao conteúdo transmitido a terceiro a devida imparcialidade da notícia reproduzida.

Uma utopia digna das representações que Roger Chartier narra acerca da historiografia e literatura, motivando rupturas necessárias sobre os enunciados dos escritos dos intelectuais de outrora. Nesse sentido penso que os textos jornalísticos transformam e rompem com suas descrições por eles próprios.

Esse percurso de sentidos nos impele a ir além do superficial, debater argumentos pré-estabelecidos, utilizando a análise do discurso na historicidade de textos concebidos e das tecituras discursivas sobre a relação fonte e jornalista. Quem analisa discurso, segundo Orlandi (1990), compreende, portanto, que “a história não são os textos em si, mas a discursividade”.

Ao abordar os quesitos éticos da comunicação como instrumento de disseminação de informação, é necessário atentar, ainda, para as tentativas de silenciamento e o apagamento da memória e identidade de sujeitos uma vez que tornam-se, através das narrativas jornalísticas, transgredidos, desfigurados e desordenados.

Assim, é necessário problematizar o sentido, pois o discurso oficial não nos permite refletir e interpretar o que é dito e o que não é dito de maneira cristalina. É necessário desmontá-lo. Coisas antagônicas são invocadas com os mesmos gestos e apresentadas com palavras diferentes, fazendo-se necessário pensar o contexto das falas oficiais, e como historicamente esses conceitos nascem, pois, o campo da linguagem nos regula.

A escrita tem como papel registrar a história, e nesse contexto as narrativas jornalísticas são indispensáveis para discorrerem sobre fatos antigos e contemporâneos tal como os livros que relatam a dinâmica memória dos indivíduos desde a antiguidade.

Na teoria, na dinâmica dos sentidos da linguagem nossa globalidade torna-se desordenada, e somente é possível se inserir nela rompendo com enquadramentos convencionais como sugere os autores do pós-estruturalismo, onde a visão binária desaparece e o debate passa a ser transferido para o campo da linguagem, pois a modernidade desmonta o que é sólido e o que não é.

A partir de uma premissa pós-estruturalista, passamos a exercitar nosso olhar sobre tudo que nos é apresentado. Somos convidados a pensar nossa história de maneira problemática, questioná-la. Datas festivas, comemorativas, cívicas, por exemplo, são repetições escritas no tempo e vividas no corpo, uma continuação que gera objetos discursivos, como o corpo, por exemplo. Portanto, não somos corpos sujeitos, mas corpos objetos.

Por isso Foucault (2008) questiona a retórica de humanização das prisões, o paradoxo da Revolução Francesa, que mudou o sistema de crucificação e tortura para prisão. Elementos como a loucura, o saber, a sexualidade e o poder são abordados por Foucault (2008) de maneira questionadora, trazendo mudanças para o olhar do pesquisador (e o que é o jornalista senão um exímio pesquisador?), já que as mudanças estão no olhar e na forma de pensar. O discurso regula o corpo, e esse mesmo corpo promove ações discursivas em torno de nós.

Somos chamados a observar os enunciados, desmontando o signo linguístico, demolindo documentos, nos dando uma visão preponderante para discutirmos a comunicação social através da análise dos pensamentos, na busca além da palavra dita e da invenção cultural e política dos argumentos estabelecidos nas textualidades que constroem a estética das narrativas midiáticas.

O emissor que exercitar o senso crítico em torno da notícia construída certamente fará um convite indispensável àqueles que refletem e valorizam a ética e a estética da informação recepcionada.

*Silvania Pinheiro é jornalista e mestre em Letras: Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre (UFAC)

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