50 anos do Dia da Consciência Negra: o Brasil sonhado com igualdade racial

Pesquisadores da Rede de Historiadores Negros resgatam a memória do 20 de novembro, data dedicada ao Dia Nacional da Consciência Negra. A considerar a primeira vez na qual a data foi lembrada pelo Movimento Negro, o Dia da Consciência Negra completa 50 anos neste novembro de 2021.

Os historiadores reforçam que a data foi escolhida por um grupo de ativistas do Grupo Palmares, que realizou evento, em 1971, no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. “Esse grupo decidiu que a data seria relembrada não só pela morte de Zumbi, mas como uma data historicamente importante para pessoas negras”, afirma Cleudiza Fernandes de Souza, doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No entanto, foram necessários 32 anos para que a data fosse institucionalizada. Apenas em 2003, o 20 de novembro, que faz alusão à morte de Zumbi dos Palmares, entrou para os calendários escolares. Tornou-se feriado nacional oito anos depois. O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído pela Lei federal 12.519, de 10 de novembro de 2011, assinada pela presidente Dilma Rousseff.
A historiadora pondera que a legitimação de uma efeméride pelo Estado é importante até para consolidar políticas públicas, no entanto, é essencial destacar toda a mobilização do movimento negro que antecedeu. Até porque a institucionalização é fruto dessa luta, uma vez que havia grupos contrários à entrada da data no calendário nacional. “A história é um espaço de disputas narrativas e de disputas de poder também”, diz Cleudiza.
A demora para a institucionalização tem a ver com as condições políticas na década de 1970, uma vez que o país estava na ditadura militar. Mesmo com toda repressão, ativistas negros realizavam essas discussões referentes às questões étnico-raciais. No período de redemocratização, eles conseguiram ampliar a discussão, participando inclusive da Assembleia Constituinte para a elaboração da constituição de 1988.

“Esses espaços de poder demoram a reconhecer lutas que estão sendo feitas nas bases dos movimentos sociais. Por mais que haja reconhecimento do estado, a forma institucional de como o racismo se constrói traz essa dificuldade, traz esse atraso nesses reconhecimentos de datas e marco pelos movimentos negros”, pondera Cleudiza.

Mobilização do movimento negro

A professora  do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia Wlamyra Albuquerque destaca que o 20 de novembro é o resultado da mobilização do movimento negro, que na década de 1980, conseguiu dar visibilidade ao peso do racismo na sociedade brasileira. “O dia da consciência negra está profundamente relacionado a um projeto nacional desenhado em meio à abertura política, depois do período da ditadura militar. O dia foi criado para falarmos sobre o quanto o antirracismo é fundamental em sociedades democráticas”, destaca.
Dessa forma, o  20 de novembro se tornou uma data nacional para denunciar as desigualdades, para o protesto antirracista, e para celebração das culturas negras no Brasil. “O dia da consciência negra é sobre o Brasil sonhado com democracia e igualdade racial”, afirma Wlamyra.
 historiadora defende que, em 2021, a data deve ser tomada como compromisso do país na construção dessa igualdade por meio de ações públicas.
Luíza Bairros faz discurso
ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil entre 2011 e 2014(foto: Renato Araújo – Divulgação)

Desigualdade racial na renda

Nesta data, são lembrados os números desiguais que atingem a população negra. O  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstrou que a desigualdade racial de renda no Brasil persistiu entre 1986 e 2019.

Um estudo, divulgado em junho, apontava que a renda média dos brancos é, ao menos, duas vezes maior do que a dos negros. O desemprego também atinge mais a população negra, que ganha menos, ocupam menos cargos de direção. Durante a pandemia, foi a mais atingida pela perda de postos de trabalho. A violência urbana também atinge de forma proporcional à população negra.

 “O genocídio da juventude negra é um dos nossos maiores problemas e precisa ser enfrentado com responsabilidade social a aposta num mundo no qual diferenças não signifiquem desigualdades. Não é aceitável naturalizarmos os assassinatos de jovens negros em disputas entre grupos rivais envolvidos no tráfico de drogas e a polícia, por exemplo”, exemplifica.

Personagens esquecidos

Lélia Gonzalez acenando
Intelectual respeitada, Lélia Gonzalez é referência do Movimento Negro(foto: Divulgação)
O reconhecimento dos 50 anos da data é parte de um movimento, nas ciências sociais, de recuperar personagens que foram invisibilizados na história oficial. Cleudiza destaca dois personagens dessa história de mobilização do movimento negro que, por muitos anos, ficaram esquecidos: o professor Hemetério dos Santos e a pesquisadora Beatriz Nascimento, ambos estão ligados à luta antirracista e à luta pela educação. “Dois sujeitos são muito importantes para entender como nossas trajetórias foram narradas e como elas estão sendo concebidas na atualidade”.
Hemetério nasceu em 1875 no Maranhão e teve atuação como professor no início do período republicano da Escola Normal do Distrito Federal que, na época em que o Rio de Janeiro era a capital do Brasil. Também lecionou no Colégio Pedro II e Colégio Militar.

“Um personagem importante que, por muitos anos, não adentrou as páginas dos livros didáticos. Apesar de não ser nacionalmente reconhecido, é personagem fundamental para entender a luta antirracista e a luta pela educação”. Um dos seus feitos foi a criação de uma escola normal livre, que recebia um público popular, muitos deles de famílias negras.

A importância das mulheres negras

Beatriz Nascimento com as mãos para cima
Beatriz Nascimento pesquisou a história dos quilombos, valorizando a organização(foto: Reprodução)
Beatriz Nascimento  nasceu em Sergipe, em 1942,  em uma  família de nove irmãos. Se formou em história na UFRJ e se debruçou sobre o estudo dos quilombos no Brasil. “Beatriz Nascimento positiva o termo quilombo, como amplifica a noção do que seria um quilombo. Traz a noção do que é o quilombo urbano, o que historicamente não era tão mencionado, quilombos e associações negras também poderiam ocorrer nos espaços urbanos.
A pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro da Universidade de Brasília Renata Melo Barbosa do Nascimento destaca a importância das mulheres negras. No Grupo Palmares,  participaram Anita Leocádia Prestes Abad, Nara Helena Medeiros Soares, Helena Vitória dos Santos Machado, Antônia Mariza Carolino, Marli Carolino,  Marisa Souza da Silva.

“São mulheres negras que contribuíram de maneira veemente, para a conscientização de um marco que passa a destacar o protagonismo da população negra brasileira, numa perspectiva antirracista, denunciando o existente mito da democracia racial, tão amplamente naturalizado em nossa historiografia”, afirma Renata.

Outras intelectuais negras também foram importantes para a construção positiva da memória da população negra brasileira: a mineira Lélia Gonzalez (1935-1994), a gaúcha Luíza Bairros (1953-2016) e a catarinense Antonieta de Barros (1901-1952).

*Esta reportagem compõe a Ocupação da Rede de HistoriadorXs NegrXs em veículos de comunicação de todo o Brasil neste 20 de novembro de 2021.
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