Novo disco do Planet Hemp terá volta de Black Alien e participação de Criolo; saiba mais

Nos shows que fará sexta e sábado na Fundição Progresso, na Lapa, o Planet Hemp finalmente apresentará suas primeiras músicas inéditas em 21 anos. E serão três de uma vez. Assim, ganhará vida, de certa forma, o roteiro que Marcelo D2 diz ter na cabeça. Nele, a banda que o revelou para o Brasil em 1993, cheio de sede para mudar o mundo, é uma menina que acorda depois de duas décadas adormecida — o terceiro e último disco de inéditas do grupo de rap rock carioca saiu em 2000. Ela olha para o país e, abismada com o retrocesso, não acredita no que vê.

Planet Hemp:conheça duas letras inéditas que estarão no novo disco da banda

Essa ficção baseada em fatos — evocando uma das músicas da banda — pode ser simplificada numa metáfora galhofa também saída da mente do músico de 54 anos, que, após triunfar na carreira solo, se reuniu com o parceiro e cofundador do grupo BNegão em 2016 (junto com o baixista Formigão, também da formação original) para uma volta definitiva, com shows baseados no repertório dos três discos lançados entre 1995 e 2000 — “Usuário”, “ Os cães ladram mas a caravana não pára” e “A invasão do sagaz Homem Fumaça”.

— É quase como se o comissário Gordon, do Batman, projetasse no céu a folha de maconha e chamasse os maconheiros para ajudar nessa causa, que o negócio aqui está brabo — resume D2. — Para começar a escrever uma letra do Planet Hemp, você engatilha a caneta como se fosse arma. O Planet Hemp pode ser necessário para os fãs, mas se faz ainda mais necessário para nós, como artistas.

Essência mantida

As três novas músicas, cujos nomes provisórios são “Taca fogo”, “Distopia” (que terá participação de Criolo na gravação) e “Puxa fumo”, estarão no disco de inéditas que o Planet Hemp lançará em 2022. O formato ainda está sendo debatido, mas é provável que o álbum seja divulgado aos poucos, duas ou três faixas a cada mês, com a primeira parte chegando ao streaming logo no começo do ano.

— A gente deve ter umas 16 músicas, mas escolhemos essas três para tocar no show. Esse disco é diferente dos outros, porque está sendo construído em cima de cada música. Essas três são completamente diferentes uma da outra — adianta D2, que comemora o amadurecimento artístico da banda, sem perder a essência. — A coisa do rap-rock’n’roll-psicodelia-hardcore-e-ragga (que eles cantam em “Deisdazseis”, no disco de estreia “Usuário”) está toda ali, assim como o sarcasmo, o ritmo e a raiva, como diz o Gustavo (Black Alien, rapper e ex-integrante). Só que a gente montou de uma maneira diferente.

Marcelo D2 em ensaio do Planet Hemp Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Marcelo D2 em ensaio do Planet Hemp Foto: Leo Martins / Agência O Globo

A presença de Gustavo Black Alien no novo disco, aliás, certamente vai surpreender os fãs. Considerado um integrante fundamental para a composição dos dois últimos discos do Planet Hemp com sua lírica bereta e flow (levada das rimas) pontiagudo, o rapper de Niterói deixou a banda em 2001. E, tirando uma rápida participação em show no festival João Rock, em 2016, não dava qualquer indício de que voltaria — ainda mais após seu mais recente disco solo, “Abaixo de zero: Hello hell”, em que comemorou sua sobriedade na luta contra vícios e fantasmas. Mas Black Alien estará em três ou quatro faixas do próximo álbum do Planet Hemp.

— A banda, para mim, sempre foi eu, BNegão, Gustavo, Speed e Skunk. O Skunk foi primeiro (vocalista e compositor morreu em 1994, vítima da Aids), depois o Speed (rapper assassinado em 2010). Ter o Gustavo no disco era meio essencial. Talvez não tenha saído antes porque ele não estava muito a fim, estava com outras coisas na cabeça. A gente sempre brigou a vida toda, mas como irmão. Ele foi o único da banda do qual não me afastei completamente — revela Marcelo D2, que não cria expectativa pela participação do amigo em shows. — A banda quase acabou com a nossa amizade. Sei que a galera queria ver D2, BNegão e Black Alien de novo no palco, eu também, mas se for custar nossa amizade, não vale a pena.

‘Arrogância de juventude’

O ponto de partida para o novo disco foi duas páginas de anotações e letras inéditas escritas por Skunk. Lendo aquilo, D2 e BNegão olharam para trás e celebraram “aquela ingenuidade de quem achava que ia mudar o mundo”. Uma “arrogância de juventude” que encontra ecos nos versos de “Taca fogo”, por exemplo, um ímpeto revolucionário resumido em “ninguém segura a gente/ taca fogo nessa porra agora”. “Distopia” também traz um discurso político mais marcado — “Político vira herói, juízes super-heróis/ Estão acima das leis, acima de tudo, acima de nós/ Povo alienado, festa culto da ignorância/ Se diz cidadão de bem, só tem ambição, cobiça e ganância”. Enquanto “Puxa fumo” é uma das cinco faixas em que o grupo faz valer seu nome e defende a legalização da maconha.

— O Planet Hemp é uma banda totalmente política. Até quando a gente fala de maconha, estamos falando da política de drogas — diz D2, que revela novos e velhos parceiros produtores envolvidos no trabalho, como Zegon, Daniel Ganjaman, Apollo 9 e Nave, além da participação de Abel Duarte e Cainã Bomilcar, do trio Tantão e os Fita.

BNegão em ensaio do Planet Hemp, no Rio Foto: Leo Martins / Agência O Globo

BNegão em ensaio do Planet Hemp, no Rio Foto: Leo Martins / Agência O Globo

De volta ao roteiro mencionado por D2 — que divide seu tempo profissional entre Planet Hemp, a finalização do segundo volume do disco solo “Assim tocam os meus tambores” e seu próximo filme como diretor —, a tal menina que acorda depois de 20 anos, após o choque inicial com o conservadorismo, encontra um Brasil que avançou, mesmo que bem pouco, em pautas como o uso medicinal do canabidiol e defesa de minorias.

— Ao mesmo tempo, é um país que acredita em mamadeira de piroca, em cloroquina… Eu diria que, de 1994, quando começamos, para cá, a gente piorou muito em termos políticos. Pelo menos naquela época o Brasil tinha uma certa esperança — opina D2.

Três anos depois, em novembro de 1997, todo o grupo seria preso por “apologia às drogas” após um show em Brasília, e ficaria cinco dias em reclusão. Marcelo D2 não tem certeza, 25 anos depois, se o Planet Hemp está livre dessa ameaça:

— Acho que a mobilização seria muito maior agora. Na época foi um estouro, todo mundo falando e tal, mas hoje o alcance é diferente. Mas vivemos num país em que uma deputada foi assassinada a sangue frio, o que é prender uma banda de rock?

 

 

PUBLICIDADE