Acusado de furtar mochila na Zara pede indenização de R$ 1 milhão ‘para desestimular o racismo’

O homem negro que foi retirado do banheiro do Shopping da Bahia, em Salvador, após ser acusado de furtar uma mochila que comprou na loja Zara, vai entrar com uma ação indenizatória na ordem de R$ 1 milhão contra a loja e o shopping.

Segundo informações do advogado de Fernandes Júnior, Thiago Thobias, a ação será protocolada na próxima semana, quando o Judiciário volta de recesso de final de ano.

A defesa de Fernandes Júnior, que é natural de Guiné-Bissau, país que fica no continente africano, acredita que apenas o ressarcimento financeiro pode evitar novas práticas de racismo na loja.

“Somente uma indenização de alto valor poderá desestimular os autores de práticas reiteradas de racismo. O caráter educativo e punitivo tem que se fazer suficiente para evitar que tais práticas se repitam”, disse o advogado.

Segundo Thobias, o valor precisa ser suficiente para “abalar economicamente uma empresa do porte da Zara”, e assim evitar outros crimes de racismo.

Abalo psicológico

Na terça-feira (4), o g1 conversou com Fernandes Júnior. Ele revelou que pediu à Justiça para que a empresa e o centro comercial promovam ações educativas que preguem o respeito às pessoas negras.

“Eu só espero que a justiça seja feita e que os cometedores desse tipo de violência desumana paguem pelos erros deles. Eu sei que nada pagará e apagará essa humilhação, mas espero que essa seja uma medida que faça com que eles repensem, e que ajude para que não aconteça mais com outras pessoas”, avaliou Luís.

“Eu não estou nada bem. Foi uma situação de segundos que acabou com tudo o que eu construí ao longo do tempo”.

Relembre o caso

O crime aconteceu no dia 28 de dezembro. Luís mora na Bahia há sete anos e contou que esteve na loja da Zara em busca de uma mochila nova, que viu pela internet. Depois de encontrar a mochila que queria, ele a deixou no caixa e saiu da loja para sacar o dinheiro.

Ao retornar para a Zara, ele fez o pagamento do objeto e então saiu com a compra e a nota fiscal. Com pressa, porque precisava voltar rápido para casa, na região metropolitana de Salvador, ele deixou o troco no caixa e foi ao banheiro, onde acabou abordado pelo segurança.

“Ele ficou atrás de mim. De início, eu não liguei porque não tinha ideia de que seria comigo aquilo. Aí ele chegou perto de mim e falou: ‘eu quero que você devolva agora a mochila que você roubou na loja da Zara’. Eu respondi que tinha comprado a mochila e ainda falei que tinha o comprovante, mas ele não quis ouvir e insistiu para que eu devolvesse”, contou ele, na época.

Depois disso, o segurança – que não teve identidade divulgada – tomou a mochila da mão de Luís e saiu pelo corredor.

“Eu fiquei muito nervoso e saí discutindo pelo corredor atrás dele. Quando chegamos de volta na loja, procurei o rapaz que me atendeu e perguntei a ele de quem era a mochila. O atendente respondeu que era minha, que eu havia comprado. Aí ele ficou sem jeito”, lembrou a vítima.

Mesmo com a situação explicada pelo atendente da loja e o comprovante de pagamento da mochila, o segurança se recusou a devolver a mochila para Luís.

“Eu puxei a mochila da mão dele e ele me ignorou, saiu andando. Eu fui atrás dele, revoltado, e pedi: ‘Quero saber quem é o seu responsável para entender o motivo desse tipo de abordagem'”.

“Aí encontrei a pessoa responsável pela segurança, e perguntei: ‘Você pode me dizer que tipo de treinamento, formação ou educação vocês dão para os seguranças? Se fosse um homem branco, ele teria coragem de entrar no banheiro e fazer isso? Me acusar de roubo, me retirar do banheiro, eu com o comprovante na mão?”.

Ainda assim, Luís relatou que foi tratado com desdém pelo responsável pela segurança. Ele então falou que sabia dos direitos dele.

“Eu falei a ele: ‘eu não sou leigo, não sou burro. Tenho graduação em Ciências Humanas, licenciatura, e faço duas pós-graduações, uma delas em Gênero e Direitos Humanos. Eu sei o que é racismo e o que você está fazendo’. Nesse momento, a fisionomia dele mudou e ele abaixou a cabeça”.

“Me senti humilhado por ser negro. Foi como se ele tivesse me matado e me deixado na rua, de qualquer jeito. Doeu muito. E em nenhum momento eles pediram desculpas. Eu cheguei em casa arrasado, com uma dor de cabeça intensa”.

Na época do crime, a Zara informou em nota que afastou uma funcionária da loja.

A Zara informou também que apura os detalhes do que aconteceu e que lamenta o episódio, “que não reflete os valores da companhia”. Na mesma época, o Shopping da Bahia disse que o segurança descumpriu as determinações de regulamento do shopping, ao atender o pedido da funcionária da loja.

Disse ainda que não compactua com qualquer ato discriminatório, e que “incluirá as imagens deste fato nos treinamentos internos para evitar que se repitam”.

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