Cecília Beraba lança segundo trabalho com letras e canções de Jorge Mautner

Consagrada e com fãs e amigos espalhados na imensidão do Brasil, incluindo o Acre, a cantora e compositora fluminense Cecília Beraba está, de novo, nas chamadas paradas de sucesso com um segundo álbum consecutivo dedicado ao cancioneiro de Jorge Mautner, artista multimídia que, antes de ser conhecido pela obra musical a partir dos anos 1970, já tinha ganhado fama como escritor na década anterior. O trabalho foi gravado de forma remota entre junho e outubro de 2021, em plena pandemia, e se chama “Só o amor pode matar o medo”.

O trabalho Cecília Beraba canta Jorge Mautner chega ao mundo digital em 14 de janeiro, três dias antes do 81º aniversário de Mautner, e é bem superior ao primeiro, isco anterior chamado “Eterno meio-dia – Parcerias com Jorge Mautner (2020),”, lançado em março do ano passado. \Neste segundo trabalho, Beraba dá voz a um repertório bem mais sedutor. Em vez de apresentar músicas inéditas como no disco de 2020, cujo repertório foi selecionado entre as mais de 30 parcerias de Beraba com Mautner, a intérprete aborda 12 composições da discografia do Profeta do Kaos sem apelar para hits como “Maracatu atômico” (1973) e “Lágrimas negras” (1974), standards da amorosa parceria do compositor com Nelson Jacobina (1953 – 2012).

Precedido pelo single editado em 17 de dezembro com a gravação de Ressurreições (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, 2006), música rebobinada na alta velocidade do ska com arranjo que harmoniza o sopro do trompete de Aquiles Moraes com a moderna timbragem da guitarra de Régis Damasceno, o álbum Só o amor pode matar o medo – Cecília Beraba canta Jorge Mautner evolui sem perda do pique. Gravado com sagaz produção musical orquestrada pela própria Cecília Beraba, o disco mantém o foco na estranheza entranhada no cancioneiro do compositor – como já evidencia a faixa de abertura, “Olhar bestial” (1972), gravada somente com a voz afinada de Beraba e o trompete do recorrente Aquiles Moraes – mas, ao mesmo tempo, vai além das dissonâncias, reverberando a doçura do amor romântico em Salto no escuro (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, 1974) em dueto com Mautner, que ao fim da faixa recita versos de Arthur Rimbaud (1854 – 1891), poeta francês da era romântica.

A temperatura do álbum é bem vaiada. “Mil e uma noites de Bagdá” (1976), Rainha do Egito é entronizada em luminoso clima de cabaré com andamentos e climas alternados em zigue-zague afinado com o tema que cai até no samba de gafieira.

É nesse mesmo cabaré que Beraba ambienta a canção Menino carnavalesco (1988) no passo passional do tango, seguido pelo acordeom de Antônio Guerra. Já Sheridan square (1972) – canção em inglês apresentada em tom folk no primeiro álbum de Mautner, Para iluminar a cidade (1972) – é encorpada por Beraba com a pegada do blues em gravação que evidencia a guitarra de Glauber Seixas (também no toque do baixo).

Conduzida pelas notas salpicadas pelo piano de Antônio Guerra, com intervenções aéreas do flugelhorn de Aquiles Moraes, a balada Aeroplanos (Jorge Mautner e Rodolph Grani Júnior) eleva o teor de lirismo romântico que sobrevoa o repertório do disco. Chuva princesa (1972) também cai com esse romantismo no álbum, mas com dose maior de melancolia.

Na sequência do disco, O relógio quebrou (1974) marca o tempo e o suingue singulares do cancioneiro de Mautner, cujo baú guarda joias como Diamante costurado no umbigo (1976), música bafejada pelo sopro do saxofone de George Israel. O registro da canção Perspectiva (1988) reitera a sensação de que, embora o álbum soe coeso, Só o amor pode matar o medo é (um pouco) mais aliciante na primeira metade.

No fim, o disco acaba em samba, A força secreta daquela alegria (1981), parceria de Mautner com Gilberto Gil, voz original do Maracatu atômico. O samba desabrocha bonito como a roseira do verso, evocando um salão de gafieira no toque do trompete de Aquiles Moraes, músico fundamental para a arquitetura deste álbum em que Cecília Beraba apura o canto da obra de Jorge Mautner.

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