‘Ela não quer voltar para escola’, diz mãe de aluna negra de 8 anos, que teve os cabelos cortados por colegas enquanto dormia; veja vídeo

Mãe de uma menina negra de 8 anos, a cabeleireira Karla Santos foi surpreendida, na última quinta-feira (17) ao ver a filha chegando da escola sem muitas mechas do cabelo encaracolado. A menina é aluna da Escola Antônio Lins de Souza, que pertence ao município de Rio Largo, em Alagoas, e foi atacada durante a viagem de volta para a casa.

De acordo com o relato da criança, ela cochilou no coletivo do próprio município e, ao acordar, duas colegas mais velhas – entre nove e dez anos – estavam rindo dela. Karla conta que a menina chegou triste e amuada do colégio, mas que só percebeu o que tinha acontecido quando foi prender o cabelo da criança para levá-la ao parquinho. Até então, como a filha tem cabelos fartos, achava apenas que estava descabelada.

— Só percebemos em casa, por volta das 19h. Fui prender o cabelo antes de levá-la ao parquinho e percebi que estava cortado. Perguntei o que tinha acontecido e ela disse que não sabia ao certo quem tinha cortado. Procurei a coordenadora imediatamente e levamos o caso para a direção da escola — diz a mãe.

Karla conta ainda que foi somente na manhã seguinte que a família percebeu a profundidade dos cortes e que a menina perguntou se ficaria careca. Desde então, os oito filhos da família estão com medo de voltar às aulas.

— Ela tem 8 anos, mas é uma menina muito inteligente e entende bem as coisas. Ela não quer voltar para a escola, muito menos de transporte escolar. Hoje mesmo ela não foi, e o irmão que pega o mesmo ônibus também não quis ir. Temos oito filhos, não conseguimos levar e buscar todos, temos que trabalhar— relatou em entrevista ao GLOBO.

CLIQUE AQUI para ver o vídeo.

O ônibus leva para a escola estudantes do 1º ao 5º ano. De acordo com a mãe, o colégio informou que o responsável teria sido uma criança de seis anos, reincidente neste tipo de comportamento.

— Eu não quero culpar as coleguinhas dela, quero questionar o motivo de não terem avisado que o menino estava cortando o cabelo dela. Aparentemente, não foi a primeira vez que ele fez isso. Foi preciso a minha filha ser vítima para a escola tomar uma atitude. E se fosse algo mais grave? — questiona Karla, que atribui o episódio à “birra de criança”.

Para Wallace Lopez, mestre em Relações Étnico-raciais pelo CEFET/RJ e pós-doutor em filosofia pela Universidade Federal do Ouro Preto ( UFOP),  o caso passa pelo racismo, mesmo que a família não tenha consciência.

— A responsabilidade não é da criança de seis anos, mas sim de uma sociedade racista que define um único padrão estético. A repetição de atos que se camuflam como banal é um processo de destruição da imagem do outro, anulação estética. As crianças apreendem sem saber e reproduzem o imaginário racial de sua cultura. Para completar, damos o nome de brincadeira de criança para o preconceito. Bullying é apenas um sobrenome do processo para ocultar o que a cultura do ódio exige de cada indivíduo — analisa.

A psicóloga Amanda Bastos destaca que é preciso lembrar que as crianças estão em um período de maturação cognitiva e tendem a reproduzir os comportamentos que elas observam.

— Uma criança que vive em um ambiente social marcado pela violência aprende que esses comportamentos são aceitáveis, já que estão dentro da curva normal e são reproduzidos pela maior parte dos indivíduos que ela conhece — completa.

Neste tipo de situação, Amanda Bastos ressalta que é preciso que as duas crianças sejam acompanhadas: uma deve ser acolhida e a outra informada sobre o impacto de sua atitude no bem-estar de terceiros.

— Ela (o agressor) precisa ser explicada sobre as emoções que a colega sentiu ao ter seu cabelo cortado, estimulando o desenvolvimento da empatia. Precisa ficar claro que as ações dela afetam outros indivíduos. Tudo isso deve ser feito com suporte social da turma, dos professores, da família, e de um profissional de Psicologia — finaliza.

Em nota, a prefeitura de Rio Largo informou que apura o fato e que a secretaria municipal de Educação (SEMED) está à disposição para solucionar o ocorrido junto à família.

PUBLICIDADE