Com a parada para a reorganização de material e recursos humanos, além da validação da estratégia inicial, a Rússia entra em nova fase da manobra e se prepara para um conflito prolongado e desgastante na Ucrânia.
Um desgaste que atingirá também os países do coração da Europa dependentes de gás e petróleo extraídos das profundezas geladas da planície siberiana, alcançando, com maior ou menor reflexos, outros quadrantes do planeta.
A surpresa dos órgãos de imprensa quanto à velocidade das forças russas em tomar a Ucrânia, impondo a Zelensky a fuga ou o patíbulo, não tinha base realista em face das técnicas assumidas pelos russos para aquela investida.
Conflitos com a roupagem da guerra industrial não nuclear passam ao largo de soluções imediatas.
É necessário considerar a dimensão do território ucraniano, a vontade de seu povo em respirar os ventos libertários da democracia jeffersoniana e a ajuda em equipamentos e treinamento oferecidos pela OTAN desde que essa guerra se iniciou em 2014.
Por mais avançado e disposto que fosse o exército russo, as forças ucranianas não estão inertes e nem são amadoras para serem levadas de roldão.
O general inglês Sir Rupert Smith, em uma passagem do livro A UTILIDADE DA FORÇA (Edições, 2008), comentou sobre ajustes em uma operação militar: a necessidade de nos adaptarmos é imposta pelas decisões do adversário, pela seleção dos objetivos, pelo modo ou método do emprego da força, e recursos disponíveis.
Completava sua avaliação: o inimigo é uma entidade reativa que não deseja se enquadrar nos nossos planos. É um adversário, não um alvo fixo em uma linha de tiro.
Reza a doutrina militar que após uma operação de ataque a uma posição ou de aproveitamento do êxito em busca de profundidade no território inimigo, quando se conclui uma fase da batalha, as forças atacantes estabelecem um dispositivo de expectativa para manter o terreno, consolidar o conquistado, preparando-se para novas etapas da operação.
Quando olhamos nas telas de nossos televisores os mapas coloridos cheios de setas e símbolos de tropas envolvidas nas batalhas, fica a sensação de que algo não vai bem na manobra russa (parece não ir mesmo) e que os ucranianos estão a obter sucesso na sua resistência.
Mas, quem já viu o painel de LED 8K com dimensões gigantescas na sala de controle do comando conjunto em Moscou? O que ele aponta como proposta tática-operacional para as forças desenvolvidas no terreno? E no Kremlin, quem teve acesso a diretiva política-estratégica assinada por Putin? Estamos ponderando adequadamente sobre o conflito, apontando os reflexos intangíveis não iluminados na vitrine dos jornais? Aqueles que, principalmente, tocam o moral, a vontade dos envolvidos e a sobrevivência das lideranças.
Quem, dos dois contendores, pode esperar mais por um desfecho? Quantas vezes o coração da mãe Rússia foi alcançado e conquistado pelo Ocidente? Quantas vezes o dirigente assentado no Kremlin pós 1917 foi derrubado e substituído no poder por um golpe de sangue? Qual o controle concreto do presidente Putin sobre a máquina administrativa e repressiva do Estado russo? Quanto o Ocidente está disposto a manter-se coeso e sofrer para enfrentar o desafio imposto pela Rússia? E, primacialmente, os russos estariam minimamente propensos a ultrapassar a linha inimaginável do confronto nuclear? São perguntas ainda sem respostas que nos indicam cautela nas avaliações sobre o sucesso ou fracasso dessa loucura putiniana.
Será mandatório um desfecho que atenda com razoável satisfação aos interesses geopolíticos dos conflitantes.
Até o momento, longe de alcançar-se. Uma certeza: a Rússia não iniciou essa guerra, que já apresenta elevadas perdas em vidas humanas, material de emprego militar e impacto econômico destruidor sobre o país, para, em seguida, diante de um fracasso tático momentâneo, abandonar o projeto político e buscar retorno ao status quo anterior às explosões.
Desde Ivan, o Terrível, passando por Pedro, o Grande, e Catarina, a Grande, os líderes daquele país são reconhecidos pela disposição de fazer valer, a qualquer custo, os interesses da mãe Rússia. Putin descende dessa linhagem. No pódio, só lhe conforta o local de vencedor.
Ele não aprendeu a perder.
Paz e bem!