Investigação sobre mortes de Bruno e Dom tem nova fase e mira elo com crime organizado

Investigadores da PF voltaram nesta semana a Atalaia do Norte (AM), a cidade mais próxima da terra indígena Vale do Javari, para uma nova fase das investigações sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.

O objetivo nessa nova fase é a análise de contradições nos depoimentos já prestados, a coleta de mais provas e a tentativa de identificação de eventuais mandantes.

A investigação é feita em conjunto com a Polícia Civil do Amazonas e é acompanhada pelo Ministério Público do estado e pelo MPF (Ministério Público Federal), também numa operação conjunta.

Integrantes do MPF afirmaram à Folha que uma das hipóteses investigadas é de que os pescadores ilegais envolvidos no crime sejam financiados ou armados por alguma organização criminosa com atuação na região.

Mas, segundo eles, não há até agora elementos suficientes para a transferência da investigação à competência federal de forma exclusiva. Isto ocorreria, por exemplo, em caso de constatação de influência direta do narcotráfico internacional nas mortes de Bruno e Dom.

O primeiro a confessar participação nos assassinatos foi o pescador Amarildo Oliveira, o Pelado, segundo informação divulgada pela PF. Ele vivia na comunidade São Gabriel, na margem do rio Itaquaí, fora da terra indígena.

A confissão de Pelado ocorreu na noite de 14 de junho, segundo a PF. No dia seguinte, ele foi levado pelos policiais à área isolada onde foram encontrados os primeiros pertences de Bruno e Dom. Os corpos dos dois foram achados no mesmo dia 15, a partir das indicações feitas por Pelado.

Ele está preso temporariamente, assim como um de seus irmãos, Oseney de Oliveira (o Dos Santos), que nega participação no crime.

Ainda de acordo com a PF, um terceiro suspeito, que também confessou participação nos assassinatos, é Jefferson da Silva Lima. A Justiça determinou a prisão temporária de Lima. Já um quarto suspeito foi preso nesta quinta-feira (23), em SP.

Outras quatro pessoas são suspeitas de participação na ocultação dos corpos.

Os depoimentos de Pelado contêm algumas contradições, como sobre ter efetuado os disparos.

Essas divergências, segundo policiais que participam das investigações, ocorreram por uma tentativa do pescador de tentar emplacar uma versão segundo a qual ele teve uma participação menor no duplo homicídio, com menos crueldade.

A polícia já constatou que Bruno foi alvejado à queima-roupa. Também identificou que houve troca de tiros a partir do momento em que o indigenista foi atingido pela primeira vez.

Segundo a perícia feita pela PF, armas de caça foram usadas no crime. O indigenista foi alvejado três vezes; o jornalista, uma.

Em 17 de junho, apenas dois dias após a localização dos corpos, a PF chegou a divulgar uma nota em que dizia não existirem mandantes nem organização criminosa por trás dos homicídios.

A posição taxativa não condiz com as linhas adotadas por quem está à frente das investigações.

Tanto integrantes do MPF como da PF não descartam a existência de mandantes, ainda que de forma mais genérica, no sentido de que criminosos podem ter orientado a busca por uma solução para os obstáculos que vinham sendo colocados para a pesca ilegal na região.

Bruno foi um dos responsáveis pelo serviço de vigilância indígena implementado pela Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari).

Vigilantes indígenas apontavam diariamente a presença de invasores na terra indígena e nas imediações, principalmente pescadores e caçadores ilegais. Esses mesmos indígenas empreenderam as buscas pelos corpos de Bruno e Dom.

O narcotráfico é uma hipótese aventada nas investigações, mas policiais na linha de frente do caso não enxergam uma conexão direta entre os pescadores ilegais e o comércio e o transporte de drogas na região de fronteira.

O que investigadores tentam descobrir é se há uma conexão efetiva entre os pescadores ilegais e os compradores desses peixes que também atuariam no tráfico de drogas.

A suspeita envolve um peruano de apelido “Colômbia” que vive na região. A investigação tenta avançar sobre a possibilidade de financiamento à atividade de pesca ilegal, em especial o pirarucu.

A principal motivação para o crime, segundo os indícios reunidos até agora, é o conflito protagonizado por pescadores ilegais, cujas atividades eram intensamente combatidas por Pereira e pelo serviço de vigilância indígena.

Os suspeitos envolvidos afirmaram que não invadiam a terra indígena para a pesca do pirarucu. Disseram que isso só ocorria nas imediações, o que também é ilegal.

A versão não se sustenta diante dos apontamentos diários feitos pelos indígenas do serviço de vigilância, que relatam reiteradas invasões ao território protegido.

Segundo investigadores, as cinco pessoas suspeitas de ajudar na ocultação dos corpos são parentes ou da mesma comunidade. Entre essas pessoas, conforme os investigadores ouvidos pela reportagem, está um segundo irmão de Pelado, Eliclei Oliveira, o Sirinha.

A Folha esteve na comunidade São Gabriel no dia 11 —seis dias após o desaparecimento de Bruno e Dom e quatro dias antes de os corpos serem encontrados— e entrevistou Sirinha.

Ele negou a participação do irmão no crime: “Não acredito que meu irmão tenha envolvimento em alguma coisa disso.”

As famílias em São Gabriel vivem da pesca; de plantações de mandioca, limão, mamão e melancia; e da criação de porco.

O ponto onde está a comunidade fica a menos de uma hora do posto de fiscalização da Funai (Fundação Nacional do Índio), que é a porta de entrada para a terra indígena Vale do Javari, considerada a segunda maior do Brasil.

“Eu vi o Bruno [Pereira] uma única vez, lá em cima. Eu estava pescando tambaqui. Ele estava fiscalizando. Só perguntou se eu estava bem, se estava pescando”, disse Sirinha na ocasião. “O Bruno não parava aqui. Ele seguia até lá em cima, nas comunidades indígenas.”

Sirinha disse ainda que Pelado sofreu agressão de policiais no momento da prisão. Segundo o relato feito, o irmão foi levado para um igarapé e sofreu afogamentos e agressões. “Bateram bastante nele. Ficaram julgando ele, para que ele falasse algo. Saiu de lá apagado.”

A Folha não localizou as defesas dos suspeitos. Na semana passada, o advogado Ednilson Tananta, que defendia Pelado e outros integrantes da família, afirmou que a posição da defesa seria apresentada em caso de existência de um processo criminal.

PUBLICIDADE