Lei Rouanet x shows de prefeitura: entenda as diferenças

Em cima do palco o show é o mesmo, mas, nos bastidores, há formas diversas de escolher o artista e pagar a apresentação com investimento público. A diferença entrou em pauta após o sertanejo Zé Neto criticar a Lei Rouanet em show que custou R$ 400 mil à prefeitura de Sorriso (MT).

Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo”, ele disse.

Entenda na arte abaixo e, em seguida, em perguntas e respostas, o que é a Lei Rouanet e o que são os shows pagos por prefeituras no Brasil:

Rouanet X Shows prefeituras: veja diferenças de duas formas de se incentivar shows com verbas públicas — Foto: g1

Rouanet X Shows prefeituras: veja diferenças de duas formas de se incentivar shows com verbas públicas — Foto: g1

Como funciona a Lei Rouanet?

A Lei Rouanet é o principal mecanismo de fomento à cultura no Brasil.

  • Os autores (que podem ser pessoas físicas ou empresas) submetem seus projetos à Secretaria Especial da Cultura e passam por avaliação do órgão.
  • Desde que siga os requisitos da lei, o projeto é aprovado. Com isso, o autor tem a permissão de procurar empresas ou pessoas interessadas em apoiar financeiramente o projeto.
  • O valor pode ser repassado através de doação ou patrocínio. No segundo caso, o incentivador pode aparecer em publicidade do projeto, e até receber parte dos produtos para distribuição gratuita.
  • Os incentivadores podem deduzir de seu Imposto de Renda (IR) uma parte ou 100% do valor investido.

A Rouanet dá prejuízo ou retorno ao país? E o investimento em cultura em geral?

Um estudo do extinto Ministério da Cultura em 2018 mostrou que a cada R$ 1 investido por patrocinadores em projetos culturais por meio da Lei Rouanet, R$ 1,59 retorna para a economia do país, levando em conta o impacto econômico direto (valor total dos patrocínios captados, corrigido pela inflação) e o impacto indireto (relacionado à cadeia produtiva, como a produção de empregos).

Do material usado na cenografia de um espetáculo ao custo da alimentação da equipe que o produz, o investimento em cultura e entretenimento chega a movimentar 60 setores a economia do Brasil, revelam dados da Fundação Getúlio Vargas apresentados pela especialista em políticas culturais Cris Olivieri ao podcast O Assunto.

O que fazem os pareceristas da Rouanet?

Os pareceristas são técnicos de diversas áreas culturais que recebem para avaliar os projetos inscritos na Lei Rouanet. Eles são os responsáveis pela terceira fase da lei, quando o produtor cultural ou empresa já conseguiu captar 10% do dinheiro previsto.

São eles que fazem a análise técnica correspondente a cada área e segmento (artes cênicas, artes visuais, patrimônio) e indicam ou não a proposta para aprovação do Conselho Nacional de Incentivo à Cultura.

Os profissionais são contratados por editais a cada quatro anos e podem renová-los anualmente. O pagamento é feito de acordo com o número de projetos analisados.

A Rouanet a única forma de fomento?

Não. Ela é a maior, mas existem outras formas de fomento indireto à produção nacional. A principal delas é a Lei do Audiovisual, voltada para projetos de TV e cinema apenas.

Durante a pandemia, o governo federal lançou a Lei Aldir Blanc, uma ajuda emergencial ao setor cultural. Mas a Nova Lei Aldir Blanc, que estenderia a ação, foi vetada por Bolsonaro.

Há também as diretas, que são feitas por meio de editais públicos. É o caso de grande parte dos shows bancados por prefeituras pelo Brasil.

E como funcionam os shows de prefeituras?

Em geral, a prefeitura escolhe o artista, negocia e faz contrato sem licitação ou tomada de preço com vários fornecedores, já que há apenas um fornecedor possível, que é o próprio cantor.

A prefeitura costuma bancar custos como transporte, hotel e camarim, e o artista recebe o valor do cachê, para o qual não há limite por artista.

Quais são as regras para os shows de prefeituras?

Não há controle específico além da prestação de contas geral do município. O Tribunal de Contas, o Legislativo Municipal ou o Ministério Público podem questionar estes gastos.

Nada impede que as prefeituras criem os seus critérios, como na Virada Cultural de São Paulo, que tem um grupo de especialistas chamados para avaliar e selecionar os shows. Mas essa não é a realidade da maior parte do país.

“Só 16% dos municípios têm uma secretaria de cultura. Esse país não é preparado para a sua própria cultura”, diz Daniel Neves, presidente da Associação Nacional da Indústria da Música.

Há limites de cachês na Rouanet e nos shows de prefeituras?

A Rouanet tem limites, que foram reduzidos neste ano. No caso de artista ou modelo solo, o limite caiu de até R$ 45 mil para até R$ 3 mil por apresentação.

Se a apresentação for em uma orquestra, o limite que pode ser pago ao músico por apresentação passou de R$ 2,25 mil para R$ 3,5 mil e para o maestro caiu de R$ 45 mil para R$ 15 mil.

Os shows de prefeituras não têm limites de cachês.

Quais têm sido os cachês pagos por prefeituras para os shows mais populares do Brasi?

g1 fez um levantamento com os artistas com as melhores performances nos últimos meses nos serviços de streaming.

Foram considerados todos os contratos feitos diretamente por prefeituras com as empresas destes artistas e que foram publicados na internet nas páginas das prefeituras ou em versões online dos Diários Oficiais. Os valores citados acima foram os shows mais caros encontrados de cada artista nos últimos três anos.

Mas não é possível afirmar que não haja shows mais caros feitos por estes ou outros artistas pagos por prefeituras, visto que os contratos podem ter sido feito através de outras empresas além das que agenciam diretamente os músicos, podem ter sido publicados apenas em de Diários Oficiais não disponíveis online ou disponíveis apenas através de busca interna nos sites, de forma não indexada pelo Google.

Veja abaixo os valores mais altos encontrados para cada artista:

 — Foto: g1

— Foto: g1

Os shows de prefeituras são importantes?

Sim. Conforme explicado no segundo item, o investimento em cultura e entretenimento chega a movimentar 60 setores a economia do Brasil. Esses shows movimentam a economia local, geram empregos e reúnem multidões. Artistas menores também são contemplados.

Daniel Neves pondera: há artistas do interior ou de periferias urbanas que nem sabem propor projetos na lei ou em editais. “Muitas vezes a complexidade da Lei Rouanet acaba afastando os pequenos agentes culturais. A prefeitura consegue, em muitos casos, ter essa sensibilidade.”

Mas “esse tipo de festa, apesar de ser importante, tem um tipo de contratação que acaba sendo um recurso de escolhas pessoais e políticas”, questiona diz Miguel Jost, professor e pesquisador de políticas públicas para cultura.

Podem haver soluções conjuntas. “A Nova Lei Aldir Blanc buscava descentralizar recursos para se investir em cultura pelas prefeituras. Aí seria institucionalizado, com mecanismos de controle, de forma mais correta”, ele diz. Mas ela foi vetada por Jair Bolsonaro.

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