Eu sei que a humanidade está num momento difícil. Você sabe que a humanidade está num momento difícil. Afinal, estamos em pleno ano de 2022 tendo que discutir – ainda – soluções para a desigualdade e a miséria no mundo, mazelas sociais que nos acompanham desde o tempo da vovozinha. De alguma forma muito pitoresca, a espécie humana, com ciência, tecnologia e tudo mais, até hoje não foi capaz de chegar a alguma solução possível sobre os mais velhos assuntos. Porém, as últimas denúncias sobre a corrupção de supostos pastores evangélicos dentro do Ministério da Educação deste sofrido país me trouxe a certeza sobre o fim do mundo como o conhecemos. A verdade é que o mundo não vai acabar, ele já acabou. Esse mundo em que vivemos já é outro faz tempo.
Homens vestidos de paletó e gravata, portando a Bíblia debaixo dos braços, participaram de um mega complô de desvio de recursos públicos em troca de ouro – ouro físico, ouro mesmo, pesado, em quilos – tudo isso em nome de Deus e da não menos importante, “família tradicional brasileira”, representada neste caso, pela figura do presidente do Brasil, que supostamente deu apoio a todo esse esquema. Mas afinal, política e religião não se discutem?
Para muitos, não se discute. Mas a verdade é que se discute sim, e há bastante tempo, pois a até cerca de dois séculos atrás, religião e política andavam juntas, coisa que só começou a mudar quando surgiu, na Europa, um movimento revolucionário que defendeu, pela primeira vez na história, a importância do Estado laico, ou seja, pautado unicamente pela lógica racional e não mais espiritual, subjetiva – o iluminismo. Contudo, grande parte das religiões até hoje tentam reintroduzir os textos sagrados como elementos influenciadores da vida pública. Mas por quê?
Numa primeira análise, essa mistura não é ruim por si só. E o que explica isso são as visões de mundo das duas correntes mais fortes dessa “teologia política”: Enquanto os fundamentalistas acreditam que a revelação divina deve estruturar toda a sociedade com base no texto sagrado que sempre – sempre mesmo – deve ser interpretado literalmente, independentemente do contexto social; os pluralistas acreditam que a revelação que vem dos textos foi revelada por Deus para que as sociedades pudessem unicamente ter uma base, utilizando os textos como metáforas que apenas ajudariam na organização política.
Assim, antes da crítica desmedida para todas e quaisquer igrejas e seus religiosos, é bom saber que não dá pra generalizar e colocar todos os fiéis num mesmo balaio. A igreja, seja católica ou evangélica, é uma instituição de fundamental importância para o desenvolvimento social que chegamos a alcançar, da mesma forma que não há como construir um futuro sustentável sem a presença de uma igreja atuante e equilibrada. Talvez esse seja um dos motivos que trouxeram a extrema direita ao poder em diversos países do mundo: o não entendimento de que a fé deve ser respeitada, principalmente em um país como o Brasil, de berço indiscutivelmente cristão.
Contudo, a fé não pode justificar a intolerância e a fuga da realidade – àquela da desigualdade social e da miséria, que ainda continua sem solução. Por isso, é provável que a melhor forma de tentarmos encontrar uma saída para a discussão entre política e religião é construindo um campo de diálogo com os religiosos que conhecemos: aqueles parentes, colegas de trabalho ou amigos que exercem sua fé, mas não são fanáticos. Felizmente eles ainda são a maioria. Isso porque nós todos vivemos na mesma sociedade e buscamos, igualmente, por justiça social, seja por fé na batalha da vida diária, seja por fé em Deus.
A religião não vai mais sair do debate, queira você ou não, pois é um assunto misturado demais à nossa história política, para que se queira censurá-lo. O que eu sugiro? Um olhar mais solidário para quem acredita diferente. Assim, se você não tem fé, construa a ponte de diálogo de outra forma, pois não vai adiantar nada condenar a fé alheia. Agora se você tem fé, e vive em um país onde pastores roubam do Ministério da Educação, por favor, resista, porque não adianta nada olhar pro céu com muita fé e pouca luta.