O título brasileiro do Flamengo em 1992 completa 30 anos nesta terça-feira. No dia 19 de julho daquele ano, o time liderado por Junior bateu o Botafogo na decisão e levantou a taça em uma conquista marcada pela superação de um grupo em que poucos apostavam.
Na decisão, o Flamengo atropelou o Botafogo. Venceu por 3 a 0 na primeira partida, com gols de Junior, Nélio e Gaúcho, e empatou por 2 a 2 na finalíssima, com gols de Junior e Julio Cesar.
– Nós não éramos favoritos. Muito pelo contrário. Mas terminou com uma sinergia muito grande entre jogadores, comissão técnica e diretoria. Quando as coisas se encaixam, a gente sabe o resultado final – contou Junior.
Na primeira fase em 92, o Flamengo terminou em quarto lugar e entrou na segunda fase no grupo que tinha Vasco, São Paulo e Santos. O primeiro colocado passava para a final, e os rubro-negros conseguiram superar os favoritos. Com uma mãozinha do rival.
Na última rodada, todos ainda estavam vivos. O Flamengo precisava vencer o Santos (e venceu por 3 a 1) e torcer para o São Paulo não vencer o Vasco, que precisavam ganhar e torcer por um empate do Flamengo. Como os rubro-negros ganharam, a torcida cruz-maltina pediu para o time entregar, o que não aconteceu. O Vasco venceu por 3 a 0 o São Paulo, e o Flamengo foi para decisão contra o Botafogo.
A final
O Botafogo tinha a melhor campanha e entrou com a vantagem de dois empates, mas o Flamengo atropelou e contruiu a vitória por 3 a 0 ainda no primeiro tempo. Piá cruzou rasteiro para Junior, que pegou de primeira e marcou. Fabinho lançou Nélio, que tocou por baixo das pernas do goleiro Ricardo Cruz. Piá, em mais uma assistências, cruzou na cabeça de Gaúcho, que fez o gol em sua especialidade.Na finalíssima, o 2 a 2 foi mais do que suficiente para o Flamengo levantar a taça. Junior ampliou a vantagem em cobrança de falta perto do fim do primeiro tempo, e Julio Cesar ampliou no início da segunda etapa. O Botafogo só reagiu nos minutos finais com dois gols, mas a taça já tinha dono.
Naquele ano, o Flamengo do técnico Carlinhos fez uma mescla de jogadores experientes, como Junior, Gilmar, Gottardo, Gaúcho e Zinho, com jovens que haviam vencido a Copinha, como Marcelinho Carioca, Junior Baiano, Djalminha, Nélio e Paulo Nunes.
Abaixo, Junior consta histórias marcantes e curiosidades da conquista rubro-negra.
O famoso churrasco com Renato Gaúcho entre os dois jogos da final
– Foi dentro do meu condomínio. O Renato morava lá. Eu não acreditei quando bateram lá em casa e avisaram que estava tendo um churrasco na casa do Renato. Mas como? Eles haviam levado de 3 a 0 e tinha um churrasco? Aí disseram que teve a aposta entre ele e o Gaúcho. Eu fui, até porque tinha vencido e não tinha nada a perder.
Quando eu entrei, não acreditei. Tinha quase toda a galera do Flamengo. O Renato talvez não tenha pensado na consequência. Para o Gaúcho não, porque tinha vencido a aposta. Eles eram muito amigos, aí o Renato resolveu pagar a aposta. E o pior: chamou a imprensa para registrar.
Ele ficou fora do segundo jogo. A torcida do Botafogo até hoje não perdoa. Não sei se a presença dele ia mudar algo, porque depois do primeiro jogo o moral do Botafogo foi quase a zero. Mas eu não gostaria de ver um ídolo do meu time, depois de uma derrota por 3 a 0, fazer brincadeira com adversário. Hoje, dificilmente fariam isso.
A queda de torcedores da arquibancada
– Estávamos no aquecimento, aí em pedi para o Helvécio Pessoa para olhar qual trava de chuteira deveríamos usar porque tinha caído uma garoa. Nós escutamos um barulho enorme. Quando ele voltou, estava pálido. O Gilmar estava do meu lado. Ele disse: “Vocês não têm ideia do que aconteceu. A arquibancada na parte da Raça caiu, e muitas pessoas caíram”. Eu disse para não falar para ninguém.
Não sabíamos se teria jogo. Era melhor esperar resolver. Se fosse igual a hoje, que os times aquecem no campo, e tivéssemos visto a cena, não dava para jogar. Quando olhamos na televisão é chocante. Fora os que caíram, teve gente agarrado na bandeira para não cair.
Quando o título completou 20 anos, encontramos um dos sobreviventes. Ficou em coma não sei quantos dias. Só lembra que caiu. Até hoje não gosto de ver a cena
(nota: na ocasião, três pessoas morream e 82 ficaram feridas).
Junior, o remanescente da época de ouro
– Eu tenho o maior prazer de falar do título de 92, principalmente por ser o último remanescente na época de ouro do Flamengo. Talvez eu tenha tido um papel mais importante até fora de campo, porque eu era o mais experiente, já tinha vivido praticamente tudo. Veio uma garotada de uma geração muito talentosa começando a carreira. E eu só contava história triste para eles (risos), porque para contar história boa tem muita gente.
O retorno ao Flamengo após pedido do filho e o acordo com Carlinhos
– Eu voltei em 89 por causa do pedido do meu filho Rodrigo, que viu uma fita cassete do Flamengo e perguntou quando ele iria me ver jogar no Maracanã. Aí falei com minha mulher que teríamos que ir, e ela disse que eu era maluco. Se não fosse naquela hora, seria ainda mais difícil, porque eu já tinha 35 anos. Por fim, terminei convencendo. A ideia inicial era jogar um ano. Esse primeiro ano foi legal. Fomos campeões da Copa do Brasil em 90. As respostas foram sendo dadas dentro de campo. Eu ia me avaliando.
Em 91, quando fomos campeões cariocas em cima do Fluminense, o Rodrigo estava na beira do campo, e eu fiquei preocupado de ele se machucar. A cena dele vindo me abraçar depois foi muito marcante para mim. Na Copa do Brasil ele não estava, porque o título foi em Goiás.
Na comemoração do Carioca de 91, conversei com o Carlinhos e perguntei o que ele iria fazer. Ele disse que faria o que eu fizesse, e eu disse que na verdade eu faria o que ele fizesse. Nós tínhamos uma relação muito forte. Eu disse que se ele renovasse eu renovaria também. Se ele falasse não, eu teria parado.
Momento mais decisivo da campanha e as dificuldades financeiras
– Acredito que o momento decisivo foi o fim do primeiro turno, quando as coisas começaram a se encaixar. O Flamengo tinha problemas financeiros. Tinha acabado de perder o Vanderlei Luxemburgo dizendo que o clube não tinha nem bolas para treinar. E era verdade. Quando chega na parte final do campeonato, o Paulo Dantas me disse que não teria dinheiro para pagar os salários.
Eu perguntei a ele se tirasse eu, Gaúcho, Gottardo e Gilmar daria para pagar os outros. Ele disse que sim, inclusive os funcionários. Aí acertei com os jogadores, disse que estávamos na reta final e que não poderíamos perder. Eles aceitaram. Esses detalhes foram crescendo e nos fortalecendo. Mas no início, ninguém pensava no título.
O “Vovô garoto” e a molecada talentosa
– A gente sabia do potencial da garotada campeã da Copinha, nós treinávamos com eles. Marcelinho, Djalminha, Nélio, Junior Baiano… todos eles. Foram entrando aos poucos, mas chegou a ter jogo com sete deles titulares. O Carlinhos os conhecia muito bem, só dava dura neles. Sabia onde poderia colocar o dedo na ferida. Isso fez o grupo se fortalecer e ter harmonia, mesmo com a diferença de idade.
Eu tinha que dar dura neles. Porque para chamar para festa tinha muita gente. Tinha muita gente para dizer que era bom isso, bom aquilo. Eu tinha que dizer que não era bem assim, que a rosa era linda, mas tinha espinhos. Sempre dava exemplos. Tínhamos ídolos que estavam em um momento difícil naquela época.
Gaúcho e os “Gaúchos boys”
– O Gaúcho tinha aquela história dele com o Renato Gaúcho de ser o Rei do Rio. Mas acabou que eu fui o Rei do Rio (risos). Eu brincava com eles. O Gaúcho foi curtindo aquilo, e a noite carioca oferece muitas coisas boas, mas para um atleta acabava minando.
O Carlinhos chegou para mim e disse que o Gaúcho estava muito na noite, e que precisaria dar uma segurada para não prejudicar o rendimento dele. Falei para o Carlinhos deixar comigo. Fiz um churrasco na minha casa com os cabeças e o Zinho, que já era umas lideranças junto aos moleques.
Bebemos chope e conversamos, isso a uns dez dias da final. Quando todos já estavam “alegres”, puxamos o Gaúcho no canto e falamos: “Sabemos que você está todo dia na noite. Mas e as finais?”. E ele disse que tudo bem. Mas dissemos que ninguém ia vigiar ninguém, porque a responsabilidade dele era muito grande.
Ele era referência para os garotos, tinha a história dos “Gaúchos Boys”. Era um cara boa pinta, que namorava todo mundo, tinha grana no bolso, essas coisas. O resultado foi que ele nas finais contra o Botafogo jogou tudo aquilo que tinha jogado na primeira metade do campeonato, porque depois teve uma caída por causa de lesão.
(nota: Gaúcho morreu em 2016 vítima de um câncer de próstata )
A hora da virada e a ajudinha do Vasco
– Momento marcante mesmo foi quando todos nos deram por despachados quando perdemos para o Sport, num pênalti meio maroto. No outro dia disseram que o Flamengo estava fora. Era o papo de quem queria ver o Flamengo fora. Mas enquanto a matemática dizia que sim, teríamos que acreditar. Dependíamos de terceiros, mas tínhamos que fazer a nossa parte. Foi o que aconteceu.
Teve um jogo do Vasco contra o São Paulo, em São Januário, que a torcida vascaína pede para o time entregar, mas o Vasco vence por 3 a 0. E nós ganhamos do Santos no Maracanã. Isso nos deu chance de classificação para a final do campeonato.
Os dribles em Renato Gaúcho na final
– Essa história é bem legal. Depois de muitos anos encontrei um amigo, e ele me contou que no dia chegou atrasado no Maracanã e, quando estava subindo a rampa, escutou um grito enorme na torcida do Flamengo. Ele perguntou a um senhor com o rádio se tinha sido gol, e ele respondeu: “Não, não foi gol. Foi o velho que deu dois dribles no Renato”. Ele disse que para ele isso marcou mais do que o jogo.
Artilharia e volta à seleção brasileira com 38 anos
Acho que fiz sete gols de falta e quatro com bola rolando. Tem gol bonito e gol importante. Teve um que eu nunca tinha feito na carreira, que foi contra o Botafogo, acho que no primeiro turno. Eu acertei um chute da intermediária (assista no vídeo abaixo). O mais importante foi o primeiro na decisão, porque abriu o caminho.
O gol do segundo jogo foi a confirmação do título. Ali era o 4 a 0, e dificilmente o adversário iria reverter. Minha comemoração foi desequilibrada, descompensada. Esses momentos são os que marcam. O resto foi trabalho. Naquele ano eu volto para seleção com 38 anos.
Importância do título de 92 na carreira
– Muito especial. Primeiro por eu ser o último remanescente da época de ouro e quebrado barreiras de idade. Não existe ser velho com 35. Eu sempre fui movido a desafios. Quando eu volto para a seleção com 38 foi a cereja na torta.
O pior disso tudo foi o seguinte: no primeiro jogo da final, meu filho Rodrigo estava no Maracanã, mas depois tinha uma viagem para Disney. Com o 3 a 0, decidiram antecipar a viagem. Perguntei a ele se não ia ao Maracanã no segundo jogo, e ele disse: “Nós já ganhamos, pai”. Foi muito cara de pau, me largou sozinho.
Gelson Baresi: da Granja Comary para a decisão
– Não tínhamos zagueiro para o segundo jogo porque os outros estavam machucados. O Carlinhos me perguntou quem poderia colocar, e eu respondi o Gelson. Ele treinava com a gente e não deixava o Gaúcho tocar na bola. Ele estava na Granja Comary, em Teresópolis, com a seleção sub-18, aí trouxeram ele.
A confiança era tão grande que ele faz uma partida espetacular. O apelido Baresi já era um peso, mas depois daquele dia disseram que ele fazia jus ao apelido.
“Carlinhos foi um grande comandante”
– A palavra do título de 92 é gratidão. Por tudo que eu pude viver com essa molecada. Até hoje temos o nosso grupo que é o “Aqueles de 92”. Estamos sempre falando e nos preocupando um com um outro. Sem deixar de lembrar do Carlinhos, que com sua fala mansa foi um grande comandante. Para mim não foi apenas um título.