O pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito, neste domingo (30/10), para presidir o Brasil pela terceira vez, 12 anos após deixar o cargo. Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não tenha concluído a apuração dos votos, o petista já garantiu a vitória no segundo turno, contra o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
A vitória foi confirmada pela Justiça Eleitoral às 19h57, com 98,81% das urnas apuradas, quando o petista tinha 50,83% dos votos válidos (59.563.912) e Bolsonaro, 49,17% (57.627.462).
O resultado impõe uma derrota histórica para Bolsonaro, primeiro presidente brasileiro que não consegue renovar o mandato nas urnas desde o instituto da reeleição, em 1998. Já Lula será o segundo mandatário que comandou o país por mais tempo, atrás apenas de Getúlio Vargas. No caso do petista, todo o período no poder foi conquistado de forma democrática, por eleições diretas.
Lula chegou a sonhar com uma inédita vitória em primeiro turno, mas faltaram votos para esse objetivo: o petista passou para a rodada final com 48,4% dos votos, contra 43,2% de Bolsonaro.
O candidato à reeleição passou a campanha de segundo turno na tentativa de superar essa diferença, que superava 6 milhões de votos. Bolsonaro chegou a largar forte, encurtando a distância nas pesquisas, mas perdeu fôlego na reta final, sobretudo devido aos próprios erros. Exemplo disso é a declaração do mandatário sobre o episódio em que “pintou um clima” com adolescentes venezuelanas, que Bolsonaro teve dificuldades para explicar.
Já Lula se beneficiou de uma ampla rede de apoios na reta final. Como atuais aliados, constam adversários políticos históricos, a exemplo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 4,2% de votos, e participou ativamente da campanha do petista na segunda fase da disputa.
Para vencer a disputa, a campanha de Lula vendeu seu nome como vacina contra uma suposta ameaça à democracia: a permanência no poder do presidente Bolsonaro. O mandatário, por sua vez, “ajudou” na tática petista, ao questionar, durante todo o seu mandato, a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, mesmo sem apresentar provas. A última pedrada bolsonarista contra o pleito foi cogitar um adiamento do segundo turno devido à denúncia de que rádios teriam boicotado a campanha do presidente, que segue no cargo até o fim de dezembro.
Lula conseguiu se colocar na disputa como candidato de uma frente ampla, ao reunir em sua campanha antigos adversários – como seu próprio vice, o ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB), contra quem concorreu em 2006.
Ao longo da corrida eleitoral, o petista angariou o apoio de diversos nomes, como, por exemplo: André Janones (Avante), que desistiu de concorrer ao cargo para apoiar o ex-presidente; o economista Henrique Meirelles, que criou o teto de gastos, tão criticado pelo próprio Lula; a ex-senadora Marina Silva, que havia rompido com o PT anos antes; os economistas do Plano Real; e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do inquérito do Mensalão.
O apoio de músicos, atores e influenciadores também foi essencial para a trajetória do presidente eleito. Inúmeros famosos nacionais e internacionais participaram de eventos da campanha de Lula e declararam o voto no petista – o que inclui Caetano Veloso, Felipe Neto, Valesca Popozuda e até o ator Mark Huffalo, que interpreta o Hulk.
“Volta da picanha com uma cervejinha”
A economia dominou o debate nesta campanha. A estratégia da chapa petista se baseou fortemente em denunciar problemas sociais, como a volta da fome, e em reforçar que, nos governos do partido, houve aumento real do salário mínimo e melhora na renda dos mais pobres. Durante a campanha, Lula prometeu várias vezes a “volta da picanha com uma cervejinha”, como uma metáfora para retratar a perda de poder aquisitivo e o aumento de preços durante a gestão Bolsonaro.
Já a campanha do atual presidente contou com um grande pacote econômico promovido pelo governo nos meses que antecederam a corrida eleitoral. Entre as iniciativas implementadas, constam a redução de impostos que impactam o preço da gasolina e a PEC dos Auxílios, que possibilitou a injeção de mais de R$ 40 bilhões na economia, “driblando” a regra do teto de gastos. O Bolsa Família, programa de distribuição de renda fortemente relacionado com os petistas, foi reajustado e rebatizado como Auxílio Brasil.
A estratégia visava ganhar terreno entre os cidadãos mais pobres, com renda de até dois salários mínimos por família, mas não obteve sucesso. Todas as pesquisas prévias mostravam que Lula liderava nesse grupo, que forma a maior fatia do eleitorado.
Ecos da pandemia
A pandemia de coronavírus não frequenta as manchetes de jornal como acontecia há alguns meses, mas também foi tema central nessa campanha.
O vírus chegou ao Brasil no início de 2020 e foi o maior desafio enfrentado pelo governo Bolsonaro. Crítico da atuação do governo federal desde o primeiro momento, o PT levou para a campanha as cenas dramáticas dos enterros coletivos no auge da tragédia e buscou culpar Bolsonaro por parte das mais de 687 mil mortes causadas pela doença no país.
Quando Bolsonaro viajou para o velório da rainha Elizabeth II, na reta final da campanha de primeiro turno, Lula o criticou por não ter demonstrado compaixão ou comparecido ao velório de vítimas da Covid-19 no Brasil.
A corrida presidencial também foi marcada pela troca de farpas entre Bolsonaro e Lula. Durante toda a campanha, por exemplo, Lula reforçou que, assim que tomar posse, pretende acabar com o sigilo de 100 anos decretado por Bolsonaro a informações pessoais relacionadas a ele ou à família.
“Ele agora na televisão está me ofendendo e me chamando de ladrão, mas não fui eu que comprei 51 imóveis e paguei R$ 26 milhões à vista, como ele fez. Não sou eu que fiz decreto de sigilo para qualquer familiar. Ele pode saber que o Lulinha Paz e Amor vai quebrar todos os sigilos dele”, disse o petista durante comício no Rio Grande do Sul, ainda no primeiro turno.
O presidente Bolsonaro segue no cargo até o fim deste ano. A posse de Lula deve ocorrer, como de costume, em 1º de janeiro do ano seguinte à disputa. Nesse meio-tempo, o time do presidente eleito deverá indicar membros de uma equipe de transição a ser nomeada pelo governo Bolsonaro; os salários dos integrantes dessa comissão serão custeados com recursos públicos.
Como a relação entre os dois grupos políticos não é boa, porém, ainda é cedo para saber como se dará esse processo de transição.