Desarmamento, educação, saúde, meio ambiente, economia e Amazônia – estes são os temas de regras adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos e que, a partir de 2023, podem ser anuladas ou substituídas com uma canetada do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A análise é feita em editoriais publicados, por exemplo, pelo jornal o Estado de São Paulo, ao apontar a lista de revogações de medidas adotadas pelo atual governo e que farão parte do chamado “revogaço” do novo governo petista.
Lula, no entanto, não tomará tais decisões a toque de caixa, completam os analistas. Primeiro, ele tentaria negociar com o novo Congresso Nacional, onde parlamentares de oposição querem ser chamados para tratativas. No Senado, pelo menos dois senadores, Sérgio Moro, do Paraná, e Márcio Bittar, do Acre, ambos do União Brasil, não querem conversas com os interlocutores do novo governo. Moro quer liderar a oposição no Senado, segundo tem declarado. Ele tem problemas fidagais com o presidente Lula, a quem mandou prender por mais de 560 dias em Curitiba, criando um problema de ordem pessoal com o presidente. Já Márcio Bittar tem problemas com o PT do Acre e ainda por ter relações estreitas com o colega senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do presidente Jair Bolsonaro, o qual tem ainda quatro anos de mandato. No Senado, os três devem montar cavalos de batalha contra o novo governo.
Moro e Bittar devem encontrar meios de saírem do União Brasil porque este Partido vem sinalizando que pode fazer parte da bancada de sustentação do governo Lula no Congresso. O destino de ambos deve ser o PL.
Na Câmara, a situação, para o governo de Lula, parece ser mais fácil. Em café da manhã na casa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na quarta-feira passada, integrantes da chamada “bancada da bala” disseram que estão atentos à pretendida mudança na política a partir de uma canetada do presidente eleito. Os integrantes da chamada “bancada da bala” ameaçam resistir. Eles ameaçam resistir.
“Não será da maneira como Lula acha que vai (ser). Temos um Congresso conservador e não vai prosperar um revogaço”, afirmou o deputado federal eleito Alberto Fraga (PL-DF), político próximo de Bolsonaro que volta à Câmara na próxima legislatura. O encontro dos deputados com Lira ocorreu horas antes de o presidente da Câmara se reunir com Lula. O petista passou a semana passada em Brasília em articulações para construir a base do governo, quando praticamente declarou apoio à reeleição do atual presidente da Câmara para o cargo na legislatura do ano que vem.
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Paralelo a isso, Lula vem conversando com líderes do MDB, PSD e União Brasil para tentar atraí-los. Na declaração de apoio à reeleição de Lira, abriu diálogo também com o PP para formar sua base. A dimensão da base será determinante para diminuir a resistência a um revogaço. A bancada da bala, por exemplo, será composta por 44 deputados em 2023 – dos quais sete deles são do União Brasil. Segundo Fraga, os parlamentares estão abertos a negociar, mas, para isso, Lula não deve “atropelar” o Congresso. “Muita coisa pode ser conversada e certamente o governo vai entender”, disse.
Coordenador do grupo, Capitão Augusto (PL-SP) afirmou que a bancada tem tamanho para paralisar os trabalhos na Câmara. “Se não tivermos a maioria, temos número suficiente para pegar o ‘kit obstrução’ e não deixar tramitar nada, nem nas comissões nem no plenário”, disse ele, que passará o comando da bancada para Fraga no próximo ano.
De acordo com o advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do grupo de Justiça e segurança Pública da transição, Lula não fará nenhum revogaço sem ouvir quem milita na área. “A revogação será gradual, escalonada no tempo. Há decretos que vão ser revogados de imediato e outros nos cem primeiros dias do governo”, afirmou ele, sobre as propostas relacionadas à política de desarmamento.
A intenção é reverter, em pouco tempo, ao menos os decretos 9.845, 9.846 e 9.847, que flexibilizam a compra e o porte de armas. “Aqueles que têm armas para se defender em propriedades rurais e os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) de verdade não têm motivo par para temer”, disse Carvalho. Revogaço em início de gestão tem um precedente internacional que inspira o futuro governo. Horas depois de tomar posse como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden assinou 17 medidas que alteraram políticas adotadas no governo Donald Trump. “O estrago que Trump fez na democracia americana é o mesmo que Bolsonaro fez (no Brasil)”, afirmou Lula a jornalistas na sexta-feira (2).
É nesse contexto que o novo governo pretende revogar também 20 medidas de comércio exterior, como informou a Coluna do Estadão. Estão na mira, ainda, atos que estabeleceram protocolos sanitários sem comprovação científica durante a pandemia da covid-19, além de cem decretos e atos normativos relacionados à proteção ambiental, como medidas que impedem a aplicação de multas.
Escolhido para comandar a bancada ruralista a partir do próximo ano, o deputado Pedro Lupion (União Brasil-PR), afirmou, no entanto, que o PT indicou que vai abrir espaço para o diálogo. Segundo ele, as revogações na área de fiscalização ambiental não serão feitas de forma brusca.
“O novo governo tem enviado sinais de que não quer radicalizar”, disse. Ele, no entanto, se queixou que, ao mesmo tempo em que emite essas mensagens, petistas têm agido contra projetos de interesses dos ruralistas no Congresso. O deputado citou a tentativa da Comissão de Agricultura do Senado de votar o projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos. A análise foi adiada após os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), ambos aliados de Lula, pedirem que o tema seja discutido com o governo eleito.
Lula também tem sido pressionado por entidades da sociedade civil. A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, por exemplo, propõe uma agenda de desenvolvimento sustentável elaborada por mais de 400 colaboradores e pensada para ser colocada em prática nos cem primeiros dias da gestão. Apresentadas aos diversos grupos da equipe da transição, as sugestões estão traduzidas em projetos de lei, decretos e resoluções.
De acordo com o sociólogo Bruno Gomes, que coordenou o grupo de trabalho de mineração da iniciativa, as propostas são resultado de um vasto estudo que não apenas visa a revogação de regras em vigência, mas também alterações. “Não dá para simplesmente revogar, tem de substituir por algo e não deixar nenhum setor sem regras”, disse Gomes. Apesar da pressão de congressistas e da sociedade civil, o entorno de Lula quer deixar a negociação sobre mudanças normativas para o próximo ano. A avaliação é que a fase atual é de propor a revogação, por parte das equipes técnicas, mas caberá a Lula manejar a execução das sugestões de acordo com condições políticas. “Todos os grupos de transição encaminharam aquilo que acham que é importante para a sociedade, para o setor produtivo, para as dinâmicas de governo”, afirmou a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), do grupo do Meio Ambiente na transição.