Pode parecer exagero, mas a morte de um animal de estimação, um pet ou amigo de quatro patas, cão ou gato, pode vir a render luto remunerado – ou seja, direito à faltar ao trabalho como no caso de morte de um familiar, por luto. O assunto passou a ganhar espaço em debates no Congresso Nacional a partir de um projeto de lei protocolado na Câmara pelos deputados Fred Costa (Patriotas-MG) e Delegado Bruno Lima (PP-SP).
A proposta dos dois deputados prevê um dia de afastamento do trabalho no caso do falecimento de cão ou gato de estimação. O motivo da licença seria a dor pela perda dos bichinhos, considerados membros da família pela maioria dos brasileiros e a garantia de tempo para cremar ou enterrar os pets em local adequado.
De acordo com a proposta, a licença será limitada a três dias no ano e, para ser consolidada, o falecimento do pet deverá ser comprovado por estabelecimento responsável em atestar o óbito dos animais ou por médico veterinário registrado no Conselho Regional de Medicina Veterinária. Caso seja aprovada, a lei entrará no artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em paralelo com a “Licença Nojo”, que permite aos trabalhadores dispensa do trabalho para a vivência do luto e organização do enterro de familiares.
Para os parlamentares, além da vivência do luto pelos animais de estimação, cada vez mais inseridos nos lares brasileiros, o projeto é uma questão de saúde pública, na medida em que evita o descarte inadequado do corpo dos bichinhos no lixo ou no quintal de casa, cujo processo de decomposição libera substâncias que podem contaminar o solo, lençol freático e poços artesianos. A incineração em clínica veterinária ou centro de zoonose, segundo os parlamentares, é a forma mais correta e segura.
A intenção do projeto de lei 221/2023, ainda segundo seus autores, é ampliar o debate, incluindo outras espécies no processo. Entretanto, para os deputados, é preciso começar com uma ideia possível de ser aprovada. “A dor da perda se estende a todo animal de estimação e nós os enxergamos como seres cientes e que têm sentimentos. Acontece que percebemos claramente que propostas de lei que envolvam cão e gato possuem uma resistência menor no Congresso. Então, visamos garantir, a princípio, a proteção destes, que representam 95% dos violados nos boletins de ocorrência de agressão no Brasil” afirma Costa.
A inspiração para a criação do PL, segundo os deputados, surgiu da observação da necessidade dos outros e das próprias vivências. Costa é tutor da cadela caramelo Vivi, que sofre com leishmaniose e é cardiopata. A cachorrinha foi adotada e chegou ao abrigo depois de sofrer muita agressão. “Quantas vezes chorei ao ver a minha Vivi doente ou internada. Um dos grandes temores que tenho é perder minha filha, minha companhia, meu amor. Então, esse sentimento que sinto por ela, milhões de pessoas também têm pelos seus cães e gatos e sofrem pela dor de vê-los doentes e, principalmente, quando eles se vão”, diz o deputado mineiro. Lima, por sua vez, lembra que foi escalado para um plantão logo depois de perder seu pet. “Foi um dia muito sofrido”, lamenta.
Costa ressalta, ainda, que a sociedade está em constante transformação e que as leis de defesa e proteção dos animais devem acompanhar esse processo. “A CLT, de 1943, remete a um período completamente diferente e deve ser atualizada para acompanhar os usos e costumes atuais. Antigamente, por exemplo, as pessoas tinham muitos filhos. Hoje, muitos, como eu, escolhem ser apenas pais de filhos de quatro patas”, diz.
Presidente da Comissão Nacional de Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (Cobea/CFMV), a médica veterinária Kellen Oliveira ressalta o benefício da lei proposta. Ela é mais uma a afirmar que os animais de estimação se tornaram membros da família. Entretanto, a profissional salienta que poucas pessoas têm condição financeira para realizar a cremação dos animais, e os que têm condições, muitas vezes não o fazem por falta de educação ambiental.
A veterinária reforça a importância da educação da sociedade quanto aos cuidados que se deve ter na vida e morte de um animal. “Muitos criam animais de estimação se o compromisso de cuidar bem deles. Também é preciso que todos tenham consciência que, assim como na morte de familiares, na morte dos animais de estimação também pode haver custos e tudo isso deve ser pensado antes de adotar o bichinho. O preço de uma incineração é cobrado por quilo e, em Goiânia, por exemplo, pode passar de R$ 400”, informa.
O projeto, que foi protocolado em 2 de fevereiro, está em fase inicial e ainda será despachado para a análise das comissões permanentes. “Espero que a tramitação seja célere, uma vez que a discussão aqui é urgente e não pode ser adiada. No entanto, sabemos que o tempo político é diferente e teremos muitos embates. De qualquer forma, estaremos lutando diuturnamente pela defesa dos animais e, principalmente, pela aprovação desse projeto de lei”, diz Lima.