Há 40 anos, em 15 de março de 1983, uma terça-feira, tomava posse como governador do Acre o taracauense Nabor Teles da Rocha Júnior, ao lado da vice Iolanda Ferreira Fleming. Ele tinha 52 anos de idade e era o primeiro governador eleito pelo voto direto depois de 20 anos, em que quatro governadores seguidos foram “eleitos” de forma indireta pela Assembleia Legislativa, durante a ditadura militar que se instalou no país e que, em 1962, no Acre, derrubou o primeiro governador constitucional do Estado, José Augusto de Araújo.
Araújo foi substituído no governo pelo capitão do Exército Edgar Pedreira de Cerqueira, então comandado da 4ª Companhia de Fronteira, do Exército, em Rio Branco. Em seguida vieram os governadores indiretos Jorge Kalume, Francisco Wanderlei Dantas, Geraldo Mesquita e Joaquim Macedo, todos com quatro anos de mandatos e pertencentes à Arena (Aliança Renovadora Nacional) e depois ao PDS (Partido da Democracia Social), que davam sustentação política à ditadura militar, sob forte oposição do MDB de Ulysses Guimarães, do qual, no Acre, Nabor Júnior era um de seus seguidores.
Nabor Júnior, ex-seringalista e comerciante em Tarauacá, entrou para a política em 1962, com a elevação do então território do Acre à condição de Estado, como deputado estadual constituinte. Elaborada a primeira constituição estadual, Nabor Júnior continuou na Assembleia Legislativa por mais dois mandatos, saindo candidato e sendo eleito e reeleito deputado federal pelo MDB. Em 1982, colocou seu nome à disposição como candidato a governador. “Foi uma campanha cívica”, lembrou Nabor Júnior ao publicar um livro de memórias, em 2021. Ele está com 92 anos de idade, lúcido e morando em Brasília.
Ao lado de Iolanda Fleming, que vinha da Assembleia Legislativa como uma forte deputada estadual e ex-vereadora de Rio Branco, a qual passara a ser conhecida como presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou desvios de recursos públicos na extinta Eletroacre, empresa fornecedora de energia elétrica então controlada pelo governo estadual na administração Joaquim Macedo.
Ela integrou a chapa que também tinha o médico Mário Maia como candidato ao Senado e o então deputado federal Aluízio Bezerra como candidatos Senado. Acreano de Rio Branco, Mário chegou a ser eleito deputado federal pelo extinto Estado da Guanabara, no Rio, mas também seria cassado pela ditadura militar e, após reconquistar a cidadania com a Lei da Anistia, voltou ao Acre para ajudar Nabor Júnior e o MDB a derrotar a ditadura militar.
É que os militares, sob a orientação do sinistro ministro Golbery do Couto e Silva, chefe da agência central do SNI (Serviço Nacional de Informações), orientava o PDS, que havia substituído à Arena, em todo o país a resistir e enfrentar os candidatos do MDB e dar à ditadura alguma aparência de legalidade em caso de vitórias de seus candidatos. Com o apoio do então governador Joaquim Macedo, pelo menos aparentemente, a ditadura havia convocado um velho conhecido para enfrentar Nabor, Mário Maia e Aluízio Bezerra e seu “movimento cívico”: o senador Jorge Kalume, que havia conquistado cadeira no Senado em 1978 pelo voto numa eleição de votação questionada e denúncias de fraudes com urnas vindas dos seringais de Manuel Urbano. O então candidato a senador do MDB, Alberto Zaire, e seus aliados, já comemoravam a vitória quando, de repente, a juíza eleitoral em Sena Madureira, Eva Evangelista de Araújo Souza, apresentou os boletins eleitorais das urnas de Manuel Urbano com os votos dando vitória a Kalume. De tão decepcionado, Zaire abandonou a política e morreu logo depois do episódio.
Candidato a governador, Kalume tinha como vice o então deputado estadual Walter Prado, um jovem de Tarauacá que ficara conhecido como jogador de futebol e traços de beleza que enfeitiçavam as moiçolas casadoiras. O candidato ao Senado da chapa era Said Farhat, ex-prefeito de Brasiléia, acreano de Rio Branco, de tradicional família sírio-libanesa, que se tornou jornalista e publicitário influente no eixo Rio e São Paulo e que chegara a ministro da Comunicação Social do governo João Figueiredo, o último presidente do ciclo de generais dirigindo os destinos do país.
Tão ligada à ditadura e aos militares, Said Farhat fez uma campanha emblemática utilizando o nome de Figueiredo, se apresentando como “o amigo do João”. A oposição a Farhat, no entanto, era feita no seio de sua própria família, cujo sobrinho, Abrahim Farhat, o “Lhe”, também era candidato ao Senado pelo PT e fazia campanha combatendo o tio dizendo que o candidato “amigo do João” era “ladrão”.
Nabor Júnior toma posse trazendo muitas esperanças a um Estado atingido em cheio pela ditadura militar. Trazia a maioria de deputados federais e estaduais e fez um governo, como ele próprio definiu, de participação, loteando secretarias para os aliados. Políticos ligados a partidos clandestinos, como os comunistas, que ainda não podiam existir estavam filiados ao MDB e tinham grande influência num governo que em tese tinha viés conservador, por conta do passado modesto de seringalista do governador.
Embora tenha feito um governo sem qualquer tipo de escândalos ou denúncias de corrupção, o governo Nabor Júnior viveu algumas crises, principalmente causada por seus aliados, como o então senador Aluízio Bezerra (eleito junto com Mário Maia), ligado aos chamados setores progressistas, entre eles os comunistas.
Um dos indicados por Bezerra, o engenheiro goiano Rubem Branquinho, nomeado Secretário de Transportes, foi o epicentro das principais crises no Governo. Ambicioso, ele tencionava suceder ao governador nas eleições seguintes e se movimentava muito ao ponto de os adversários de Nabor Júnior, como o empresário Narciso Mendes de Assis, que era deputado estadual do PDS, terem se articulado para apresentar uma CPI contra Branquinho. Com maioria na Assembleia, a CPI acabou não acontecendo e Nabor concluiu seu Governo antes de completar o mandato, renunciando em favor de sua vice Iolanda para ser candidato e eleito ao Senado.
Vitorioso, Nabor Júnior ainda conquistou mais um mandato de senador e só encerrou a carreira política em 2002, quando perdeu a disputa para o então candidato ao Senado da Frente Popular, Geraldo Mesquita Júnior, que fez uma campanha sórdida contra o antigo líder do MDB. O slogan de Mesquita e da própria Frente Popular era “Nabor Nunca Mais”.
Derrotado, Nabor se recolheu em Brasília muito magoado com aquela campanha do “Nabor Nunca Mais”. Ele acaba de ficar viúvo, com o falecimento de dona Darcy Rocha, no início do ano, sua companheira por mais de 60 anos.