Kika Sena estará ao lado de Ana Flávia Cavalcanti em “Falas de orgulho”, o terceiro episódio deste ano da série “Histórias impossíveis”. Exibida agora no Mês do Orgulho LGBTQIAP+, a atração vai ao ar na segunda-feira, na Globo. A trama conta a história do casal Lena (Ana Flavia), mulher cis, e Kátia, mulher trans interpretada por Kika, primeira atriz trans a receber o Troféu Redentor de Melhor Atriz no Festival do Rio por seu trabalho no elogiado filme “Paloma”.
Na trama, a relação das duas vai enfrentar abalos reais e psicológicos a partir de uma ameaça causada pela especulação imobiliária. Depois de decidirem morar juntas na casa que Lena herdou de sua avó, elas vão passar por uma série de questões. Em crise, as duas contam com a ajuda de Xica (Nena Inoue).
Nesta quinta-feira (22), a atriz, educadora, poeta e pesquisadora cênica, conversou com a coluna Douglas Richer, do portal ContilNet. Em bate papo com este colunista, a global abriu o jogo sobre vários temas de sua trajetória. Moradora há 2 anos do bairro Aeroporto Velho,no Acre, Kika revelou que já vive da arte há 10 anos. Do cinema, há cerca de 5 anos. Confira!
Douglas Richer: Como surgiu o convite para participar da série?
Kika Sena: O projeto Histórias Impossíveis acontece na minha vida como uma oportunidade para contar histórias na TV que pensem narrativas de pessoas trans e travestis, pessoas pretas, pessoas indígenas e idosas para além da objetificação, enfatizando suas subjetividades e elencando-as nos seus devidos lugares de protagonismos.
Douglas Richer: Como foi contracenar com a Ana Flávia Cavalcante?
Kika Sena: A Ana Flávia Cavalcanti é uma atriz muito generosa. A gente se conectou bastante durante os ensaios e as gravações. O nosso encontro foi bastante prazeroso.
Douglas Richer: Qual a mensagem que o terceiro episódio da série Histórias (Im)possíveis vai transmitir na vida das pessoas. E o que ele marcou na sua vida como atriz?
Kika Sena: Pode uma travesti preta e periférica amar e ser amada num canal aberto de TV? Esse episódio abre as portas dos armários sobre amor e subjetividade de pessoas trans e travestis, lésbicas e pretas. Leva para dentro da casa das mais tradicionais famílias brasileiras, essa realidade que ainda é pouco contada em produções audiovisuais brasileiras.
Douglas Richer: Sobre o episódio, qual contexto, o que ele aborda? Tô ansioso para assistir!
Kika Sena: Estamos falando sobre amor, sobre pessoas pretas se amando, sobre pessoas trans e travestis sendo amadas, isso com certeza o público pode esperar. O episódio Sísmicas é também sobre as rachaduras que uma cultura lgbti+fóbica pode e causar dentro de nós e nas nossas relações, mas para além disso nos ensina sobre como as relações afetivas lgbti+ são fortalecidas pelas lutas e conquistas ancestrais a nós.
Douglas Richer: Você sente algum preconceito por falar que vive no Acre? Em levar a atuação do Norte para uma grande emissora?
Kika Sena: Então, eu não vejo nenhum problema em me situar geograficamente no norte do país. Embora eu esteja morando aqui, não considero que minha atuação é acriana, pois eu passei por muitos lugares onde me formei enquanto pessoa e atriz. Sou Alagoana e minha formação em teatro foi majoritariamente realizada em Brasília. Mas também trabalhei com a galera de Pernambuco e São Paulo. Então, sou uma mistura disso tudo.
Douglas Richer: A Kika do Acre imaginou um dia poder abrir esse espaço para outras do movimento LGBTQIAPN+? O que você sente neste momento?
Kika Sena: Como respondi anteriormente, não me considero apenas do Acre. Acho que prefiro ser considerada uma atriz que carrega marcas de muitos Brasis. Mas respondendo a essa pergunta, eu não acho que sou pioneira em abrir portas. Eu considero que já haviam rachaduras, brechas no sistema que foram provocadas por artistas e ativistas lgbtqiapn+ que vieram antes de mim. O que estou fazendo agora é me apropriar dessas rachaduras e brechas.
Douglas Richer: Kika, como você vê a questão da violência no Acre com a comunidade LGBTQIAPN+? Você enxerga políticas públicas? Você enxerga a atuação da justiça?
Kika Sena: Então, vejo a violência da comunidade lgbtqiapn+ no Acre do mesmo modo que a encaro no contexto brasileiro. Em especial, as com as trans e travestis são as que mais sofrem. Obviamente, é preciso destacar o contexto raça/etnia e classe, que são contexto que estão imbricados nos modos de opressão que a nossa comunidade sofre. As políticas públicas que atendem aos direitos de pessoas lgbtqiapn+ ainda são poucas, em especial as que estão voltadas para as pessoas trans e travestis. Acho que justiça não é algo que precise ser pensando antes de Educação. O que penso ser necessário é uma reeducação cultural, precisamos nos reeducar enquanto sociedade para a aprender a entender as diferenças.
Douglas Richer: E sobre a questão cultural no Acre? O que você acha? Quais investimentos seriam necessários realizar para ampliar e dar mais oportunidade a novos talentos?
Kika Sena: Eu penso que o Acre é riquíssimo em cultura. A gente tem a mania de associar a cultura apenas ao campo das produções artistas, mas cultura a grosso modo se refere aos modos e meios que as pessoas de uma determinada comunidade utilizam para se expressar. Em se tratando de oportunidades aos novos talentos acrianos, acredito que é preciso primeiro que o Acre, assim como o norte seja compreendido pelas outras regiões como parte do Brasil. A vida também acontece pra quem existe aqui.
Douglas Richer: Kika, para encerrar esse bate papo maravilhoso, que eu ficaria dias e dias conversando com você, (rs), me conta: tem novidades e projetos aqui no Estado?
Kika Sena: Amore, ainda sem novidades aqui. Inclusive, estou aberta a convites.
Douglas Richer: Agora eu vou ser mais indiscreto… Bem ‘fofoqueiro’. E como está o coração da Kika?
Kika Sena: Hahaha! Meu coração está pleno. Estou casada, com uma mulher maravilhosa, tenho um filho lindo. E é isso!
O terceiro episódio da série Histórias Impossíveis será apresentado no ‘Falas de Orgulho’, previsto para ir ao ar na próxima segunda-feira, 26, na TV Globo, na semana em que se celebra o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+.
Sobre Kika Sena:
Kika Sena é atriz, arte-educadora, diretora teatral, poeta e performer. Graduada em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria em Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, é pesquisadora nas áreas de gênero, sexualidade, raça e classe. Também é autora dos livros Marítima (2016) e Periférica (2017) e da zine Subterrânea (2019).