Terron, da LOS: indústria de esports “vai ficar pequena, se nada mudar”

Executivo de uma das equipes mais populares do Brasil analisa motivos e consequências de crise nos esportes eletrônicos

Rodrigo Terron, conselheiro da LOS, uma das principais equipes de esportes eletrônicos do Brasil, tem uma análise pouco otimista para o mercado, que vive uma crise sem precedentes. Na visão do executivo, se não houver mudanças no panorama atual, a tendência é que a indústria de esports fique pequena e não siga as projeções de que cresceria muito.

Em meio a uma redução de investimentos em campeonatos, times e desenvolvedoras, inclusive com o fechamento de diversos clubes pelo mundo e outros tantos em dificuldades financeiras, Terron acredita que o boom na popularidade dos esports durante o auge da pandemia de Covid-19 inflacionou demais o preço dos patrocínios e a indústria não conseguiu entregar de volta o resultado esperado, perdendo uma oportunidade que, na visão do executivo, pode demorar a aparecer novamente.

— A pandemia criou um cenário temporário de números muito altos, e toda a precificação do mercado foi feita em cima desses números. Se antes da pandemia custava 1x, no pós-pandemia o número cresceu 10x e o preço cresceu 10x junto — pontuou Terron, em entrevista ao ge, sobre o engajamento e a audiência dos esports e a precificação dos patrocínios.

— Quando começaram a vencer esses contratos, muitas das marcas que, quando contratou, você tinha um nível de entrega e número de exposição e, no final do contrato, tinha um número muito menor, optaram por não continuar ou até reduzir, continuaram mas com investimento menor.

— Este é o cenário atual. Os times estão com muita dificuldade de trazer bons negócios porque está muito caro.

Razões da crise

Isso porque, segundo Terron, a entrega dos clubes aos patrocinadores, que bancam as operações, está muito aquém dos investimentos das empresas.

Um dos motivos, na visão do empresário, é o calendário deficitário, sem muitos campeonatos. O League of Legends possui só duas edições do Campeonato Brasileiro (CBLOL) por ano, sendo que, sem classificação aos playoffs, o time joga só por dois meses a cada split. No Free Fire, a Liga Brasileira (LBFF) só teve uma temporada em 2023. No Valorant, o calendário terminou em junho para a maioria dos times e em agosto para os que chegaram ao campeonato mundial.

— Você paga por 12 meses de contrato, mas você não tem 12 meses de entrega. Na maior parte dos calendários, os jogadores irão cumprir dois meses e meio em um split e dois meses e meio no outro. Isso se você for bem e pegar playoff. Se é eliminado no momento anterior do campeonato, você tem um período muito pequeno de exposição.

Outra razão é a mudança no padrão de consumo de conteúdo, junto do que o empresário chama de “falência coletiva” das plataformas de livestreaming, citando BOOYAH e Nimo como exemplos.

— O formato das pessoas gastando horas e horas em live cresceu muito na pandemia. No pós-pandemia, as pessoas cansaram um pouco do consumo de conteúdo. E tem o efeito do TikTok, né. Por que eu vou gastar 12 horas vendo um conteúdo se eu posso ver centenas de milhares de conteúdos em um formato diferente? — apontou Terron, lembrando que as transmissões de esports estão em plataformas como Twitch e YouTube.

Um terceiro motivo, para o conselheiro da LOS, é que as organizações de esports não investem em estruturação a longo prazo, e sim pensam apenas no campeonato seguinte.

— Quando a decisão é tomada para o meu time no próximo split, não dá para olhar para uma visão de cinco ou dez anos. A gente acaba não evoluindo enquanto indústria. Eu vou competir pelo título daquele campeonato. Agora, como indústria, ainda tem um desafio muito grande. Não que isso não aconteça. Tem muitas iniciativas legais, mas eu acho que a gente vai ter que acelerar esse processo. Se não, a indústria terá dificuldade de evoluir.

— Hoje a indústria é taxada de que entrega pouco. Tem audiência e número, mas a qualidade da entrega é baixa. O trabalho em volta dos jogadores é de qualidade ruim. Quando as marcas chegam a essas conclusões, fica mais difícil. Elas passam a olhar: ‘Não está dando resultado em games, vamos colocar o dinheiro no surfe’. O dinheiro existe, mas, por causa dos últimos dois anos, está sendo usado em outras indústrias, porque o resultado não foi da forma que quem colocou o dinheiro esperava.

Oportunidade perdida

Por isso, Terron acredita que a indústria de esports precisa se provar, já que perdeu a oportunidade oferecida a partir da pandemia.

— O esport teve uma oportunidade muito grande e, por não estar tão preparado, falhou um pouco. Na expectativa de quem paga a conta, houve uma falha. Quando isso acontece, quando você tem uma grande oportunidade e não consegue aproveitar da melhor forma, existe consequência, e a principal consequência disso é que você vai ter que brigar por outra oportunidade, e pode ser que outra oportunidade demore.

— Se nada mudar, hoje eu vejo uma indústria que vai ficar pequena. Ela vai talvez manter o que tem hoje, talvez um pouco menor, um pouco maior, mas não vai seguir aquelas projeções de que a indústria cresceria muitas vezes — opinou Terron.

Rodrigo Terron, conselheiro da LOS — Foto: Reprodução/Instagram

Rodrigo Terron, conselheiro da LOS — Foto: Reprodução/Instagram

Por outro lado, como costuma ser o mantra de empreendedores, o conselheiro da LOS defende que, da crise, é possível tirar aprendizados para evolução.

— Eu acredito que este momento mais difícil da indústria vai trazer aprendizados, e esses aprendizados vão preparar a indústria para as próximas oportunidades — destacou.

— Se a maturidade, principalmente do ponto de vista de olhar para o longo prazo, acontecer da forma correta, a indústria tem potencial gigantesco, porque o consumo de games não diminuiu. Pelo contrário, as pessoas estão gastando mais com jogo e jogando mais. Mas tem tanto problema nos esports, que é um recorte dentro de games, que naturalmente a indústria cresce bem menos do que poderia.

Casas de apostas, tábua de salvação

Conforme Terron, o momento de baixa dos esports ainda coincidiu com a queda do setor de criptomoedas e web3. Um exemplo é que a FTX, uma corretora de criptomoedas, chegou a assinar contrato de naming rights de US$ 210 milhões (equivalentesa a cerca de R$ 1 bilhão na cotação da época) com a organizaçã norte-americana TSM em junho de 2021, mas faliu pouco tempo depois.

A situação só não piorou ainda mais porque casas de apostas entraram com tudo nos esports de 2022 para 2023, patrocinando praticamente todos os clubes e campeonatos, assim como fizeram em outros esportes.

Só que, nos últimos meses, o investimento tem sido desacelerado, segundo Terron, por causa da regulamentação do setor instituída pelo Governo Federal. Isso fez com que as empresas de apostas passassem a ser mais conservadoras nos gastos.

— O fato de [a indústria da casa de apostas] trazer o fôlego postergou as decisões difíceis, por exemplo, de redução de investimento e investimento da maneira certa. Trouxe fôlego, mas foi uma falsa sensação de que estava tudo bem — analisou o empresário.

De acordo com Terron, a LOS, por exemplo, teve uma redução média de 35% a 40% na receita no último ano. Um dinheiro que, conforme o conselheiro, não representa exatamente um corte no orçamento, mas sim o que a organização deixou de receber de dinheiro a mais, porque a equipe ainda está em crescimento.

— Tem organizações que já chegaram a um patamar de investimento que é muito maior e muito superior ao que a gente chegou. Foi uma decisão de ‘vamos gastar menos’, mas a gente não reduziu, a gente só não aumentou o investimento. A LOS nunca teve faturamento bizarramente grande. Ela sempre se manteve com aporte dos sócios. Quando a gente começou a ter investimento, gastamos de uma forma minimamente inteligente. Agora, tem times que já estavam há muitos anos dependendo de patrocínios, que tiveram acesso a uma valorização gigantesca e depois perderam. Isso acaba sendo mais difícil.

Crise nos esports

Os exemplos que Terron aponta têm sido numerosos no último ano, em que os esports se afundaram em uma crise nunca antes vista.

A norte-americana Evil Geniuses (EG), campeã mundial de Valorant em 2023, está perto de fechar as portas, tendo demitido muitos funcionários e dispensado quase todos os times. No Valorant, a organização colocou todos os jogadores campeões mundiais para negociação e ofereceu uma redução de 50% do salário para 2024.

No Counter-Strike, o treinador dinamarquês Danny “zonic” revelou que aceitou uma proposta da Falcons, da Arábia Saudita, porque a Vitality, campeã mundial do ano passado, queria reduzir o salário dele em até 70%.

A FaZe Clan, uma das principais marcas de esports do mundo, precisou ser vendida, por causa de uma grave crise financeira, à Gamesquare, empresa bancada por Jerry Jones, bilionário norte-americano dono do time de futebol americano Dallas Cowboys e da Complexity.

PUBLICIDADE