Há uma semana, um carro foi interceptado por quatro atiradores em Lima, a capital do Peru. Os criminosos dispararam cerca de 60 vezes, e o motorista morreu na hora. A passageira, uma mulher que estava no banco de trás, foi baleada na cabeça, costas e braços — mas chegou a ser levada com vida para o hospital, onde morreu apenas na última terça-feira, após dias de agonia. O caso, inicialmente visto como mais uma execução por encomenda, abalou a câmara legislativa do país e culminou na investigação de uma suposta rede de prostituição dentro do Congresso.
Uma investigação do programa de TV Beto a Saber revelou que o motorista foi uma vítima acidental, e que o ataque era direcionado à advogada Andrea Vidal Gomes, de 28 anos, que até setembro era assessora no Departamento Jurídico e Constitucional do Congresso. Segundo relatos de uma ex-funcionária do mesmo departamento, seu antigo chefe, Jorge Torres Saraiva, teria montado uma rede de prostituição nos corredores do Parlamento. Ele apresentava mulheres como secretárias para oferecer “serviços” a parlamentares — e Andrea, conhecida como “La China”, seria a responsável pelo recrutamento.
A Promotoria Especializada em Crimes de Tráfico de Pessoas abriu uma investigação preliminar contra Torres Saravia, que, segundo denúncias, teria mais de um conflito com a vítima, razão pela qual ela foi demitida. O assassinato levantou suspeitas de tentativa de silenciamento.
— As prostitutas entravam e dormiam com pessoas por dinheiro. Uma delas costumava visitar Alejandro Soto (parlamentar e presidente do Congresso) até meados de julho. Isso pode ser comprovado pelas câmeras e registros de entrada — disse a fonte.
Tanto Jorge Torres Saravia quanto Alejandro Soto pertencem à Aliança para o Progresso, grupo político liderado por César Acuña, governador regional de La Libertad e dono de um conglomerado educacional, que já foi acusado de plágio, lavagem de dinheiro e corrupção. A Aliança para o Progresso tem forte representação na Câmara e, por isso, exerce grande influência. De acordo com as investigações, Torres Saravia é muito próximo de Luis Valdez, secretário-geral do partido.
Na sexta-feira passada, enquanto Andrea Vidal ainda lutava pela vida no hospital, Torres Saravia chegou a dizer que não contratava as mulheres “diretamente” e que o serviço era feito pelos Recursos Humanos. Ele também afirmou conhecer pessoalmente apenas uma delas. Naquele momento, Torres Saravia havia solicitado licença. Ele foi exonerado do cargo pouco depois. O atual presidente do Congresso, Eduardo Salhuana, anunciou a decisão, afirmando rejeitar os “eventos que afetam a moralidade, a decência e a imagem” da instituição.
— Não toleraremos condutas que traiam a confiança depositada em nós pelos peruanos — acrescentou, sem dar mais detalhes sobre a demissão.
Na quarta-feira, após a morte de Vidal, Juan Burgos, chefe da Comissão de Supervisão, destacou que investigará a fundo a suposta rede de prostituição no Congresso que “pode ter contado com a proteção da Mesa Diretora e seus aliados políticos.” Ele anunciou que, na próxima sessão, em 26 de dezembro, convocará o chefe do Departamento de Recursos Humanos, bem como Torres Saravia, para que “a verdade seja revelada”. Burgos lamentou, ainda, que uma pessoa acusada de agressão sexual tenha ocupado um cargo de alto escalão no Parlamento.
— Não importa quem seja o responsável. Uma vez provados os fatos, a representação nacional deve acusar aqueles responsáveis por terem pervertido o Congresso — disse ele, solicitando o apoio da procuradora-geral Delia Espinoza. — Precisamos fazer uma limpeza geral.
Dinâmica de abuso
“Torres foi acusado por uma mulher de drogá-la e abusá-la sexualmente há dois anos e, mesmo assim, continuou no Congresso. Torres é acusado de liderar essa suposta rede criminosa ligada à exploração sexual, que tem um componente ainda mais aterrorizante e deve ser investigado: a troca de assessores e secretárias entre alguns parlamentares como parte de uma dinâmica de abuso e objetificação, o que torna o caso ainda mais complexo”, escreveu a jornalista Alvina Ruiz em uma coluna de opinião.
Alejandro Soto, acusado de receber favores sexuais, rejeitou as acusações feitas pela investigação jornalística. Ele negou ter recebido visitas clandestinas, afirmando que “cada funcionário é responsável por suas ações na vida privada e deve responder pessoalmente à Justiça, se necessário”. Soto já foi investigado no passado por supostamente oferecer um cargo à irmã da mãe de seu último filho, votar a favor da aprovação de uma lei que o beneficiava e cobrar taxas de seus funcionários para pagar por publicidade nas redes sociais.
O Sindicato dos Trabalhadores do Poder Legislativo também se manifestou sobre a suposta rede de prostituição dentro da Câmara:
“Os graves eventos relatados mostram a vulnerabilidade que afeta os trabalhadores da organização ou do serviço parlamentar, cujas condições de trabalho frequentemente os expõem a abusos e arbitrariedades. A melhor forma de prevenir essas situações é estabelecer mecanismos claros e previsíveis para o trabalho em nossa instituição”, declararam.
Assim como a presidente Dina Boluarte, que encerrará o ano com uma aprovação de apenas 3%, a imagem do Congresso está em ruínas. Uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos concluiu que apenas 6% dos cidadãos estão satisfeitos com o desempenho do Congresso. O assassinato de uma de suas ex-funcionárias para silenciá-la completa o colapso da instituição aos olhos da opinião pública.