Fazia sol naquele domingo de 17 de maio de 1992. Era o anúncio de mais um belo domingo de maio em todo o país, como são belos todos os dias do mês das flores, das mães e das noivas. Como era domingo e o Brasil de então podia orgulhar-se de ter entre seus filhos o então maior campeão de Fórmula 1 do mundo, na época, mesmo os menos aficionados no esporte, como os milhões de fãs, se preparavam para permanecer na frente dos aparelhos de TV – TVs ainda a tubo e muito longe da tecnologia dos aparelhos atuais de tela plana, em que as imagens, mesmo como aquelas do outro lado do mundo, pareciam a poucos metros do olhar atento de quem queria ver o piloto Ayrton Senna em suas manobras nas ruas do principado de Mônaco.
E Senna correspondia à expectativa de milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente os brasileiros, que viam no piloto não mais um homem comum, mas uma espécie de Pelé das pistas, um herói em carne e osso.
No meio da corrida, Senna já dava sinais de que venceria. O frenesi da alegria por mais uma vitória, de repente, virou pesar e luto por uma notícia dada pelo locutor Galvão Bueno, da Rede Globo, que transmitia a corrida pela TV ainda arcaica: Edmundo Pinto de Almeida Neto, então governador do Acre, então um dos governadores mais populares do país, estava morto.
Havia sido abatido a tiros na madrugada daquele dia, num hotel de luxo no centro de São Paulo. Senna venceu a corrida, mas o Acre e seu povo perdiam seu campeão, um campeão da política, um jovem de origem humilde que se tornou governador do Estado por pura insistência e por acreditar em seus próprios sonhos.
Edmundo Pinto havia chegado ao cargo de governador de forma meteórica. Num espaço de menos de dez anos, saiu da condição de vereador eleito em Rio Branco, em 1982, ao cargo de governador do Estado, em 1990, passando por deputado estadual entre 1986 e 1990. Mas, antes disso, havia perdido pelo menos outras sete disputas eleitorais – para vereador, deputado – inclusive para a Associação de Motoqueiros da cidade, um esporte que ele apreciava. Detalhe: membro da juventude da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido político que dava sustentação ao regime militar que governava o país, jamais mudou de lado e sempre seguiu as siglas partidárias dali originárias.
Na época em que conseguiu obter o primeiro mandato, a Arena já se chamava PDS, o que é hoje o Progressistas, partido que está prestes a se fundir ao União Brasil e passar a se chamar União Progressistas. Em mais de cem anos de história do Estado do Acre, era a primeira vez que o partido sucessor da Arena chegaria ao governo do Estado com um governador eleito pelo voto popular. Na história do Estado, criado em 1962, Edmundo Pinto era o 11º governador, contando-se desde o primeiro eleito, José Augusto de Araújo, aos políticos que chegaram ao poder de forma indireta e os vices que assumiram após a renúncia dos eleitos, no caso de Iolanda Fleming, que substituiu Nabor Júnior, em 1987, e Édson Cadaxo, a Flaviano Melo, em 1989. Um governador que não cumpriria o mandato.
Baleado a tiros naquela madrugada de 17 de maio de 1992, Edmundo Pinto de Almeida Neto, filho de Angelina Veras de Almeida e Pedro Veras de Almeida, ele um dos muitos cearenses que vieram ao Acre para ajudar na sua colonização, um comerciante aposentado, e ela uma professora de escola pública, que tiveram quatro filhos. Edmundo, nascido a 21 de junho de 1953, era o segundo dos homens, cujo nome era uma homenagem ao pai de Pedro Veras.
No dia em que Edmundo Pinto assume o Governo do Acre, em 15 de março de 1992, Pedro Veras conta, numa roda de amigos, que ali estava se materializando uma profecia do próprio Edmundo Pinto manifestada fazia pelo menos 32 anos antes. Segundo o velho comerciante, numa época em que o Acre ainda não dispunha de televisão e que a grande diversão das famílias, a maior delas, era, após as refeições, conversar ainda à mesa sobre assuntos diversos, o diálogo de Pedro Veras e Angelina com os filhos ainda crianças versou para o que eles seriam quando crescessem. As filhas, Francisca e Ângela, talvez por influência da mãe, disseram que seriam professoras. O irmão mais velho mostrou-se em dúvida, enquanto Edmundo Pinto, com menos de 5 anos de idade, quando perguntado sobre o que seria quando ficasse adulto, cravou, na lata:
— Governador!
Edmundo Pinto foi advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre (Ufac), da qual foi também funcionário. Iniciou sua icônica carreira política na Arena, em 1974, quando sofreu sua primeira derrota ao tentar ser eleito deputado estadual. Tinha pouco mais de 20 anos de idade. Em 1976, como candidato a vereador por Rio Branco, nova derrota e vieram outras até 1982, quando Edmundo Pinto, já com a Arena transformada em PDS, foi eleito vereador em Rio Branco e, em 1986, foi eleito deputado estadual.

Edmundo Pinto, já com a Arena transformada em PDS, foi eleito vereador em Rio Branco e, em 1986, foi eleito deputado estadual/Foto: Arquivo
Na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), foi ferrenho opositor dos governos de Flaviano Melo e Edson Cadaxo, ambos do PMDB, o que o fez catapultar-se, em 1990, para o cargo de governador no segundo turno pelo PDS, numa disputa acirrada com Jorge Viana, candidato do PT.
Na madrugada daquele domingo fatídico de 17 de maio de 1992, Edmundo Pinto foi morto a tiros por três homens armados no apartamento 707 do Hotel Della Volpe Garden, em São Paulo. Os criminosos ainda roubaram uma certa quantia de 500 mil cruzeiros no quarto do hotel em que o governador estava hospedado desde 14 de maio. Ele estava acompanhado de vários assessores, que dormiam em outros apartamentos. A Polícia Civil de São Paulo concluiu o caso como um crime comum. O governador, na avaliação policial, dera o azar de estar no local errado, na hora errada. A família do governador diz que não. Ele teria sido assassinado numa trama política de quem tinha interesses em tomar seu lugar nos destinos da política. Sua família insiste em dizer que Edmundo Pinto foi vítima de uma trama poderosa mas, no entanto, 33 anos depois do crime, só quer é esquecer a tragédia.
Edmundo Pinto era casado com Fátima Barbosa de Almeida, com quem teve três filhos: Pedro Veras de Almeida Neto, Rodrigo Pinto Barbosa de Almeida Neto e Nuara Naira Barbosa de Almeida, todos vivendo fora do Acre. Fátima Barbosa, no Rio de Janeiro, e os filhos, em Dubai, nos Emirados Árabes – uma família que desistiu de buscar por novas investigações e que tenta apenas se refazer em meio à saudade e às consequências da tragédia.
O corpo de Edmundo Pinto está sepultado no cemitério São João Batista, em Rio Branco.