Seu Jorge, Criolo, Pitty e volta de Black Alien agitam festa de 30 anos do Planet Hemp

Banda gravou nesta quinta-feira o DVD 'Baseado em fatos reais', com o qual comemora suas três décadas de sobrevivência, cantando a maconha e a resistência aos autoritarismos

A ideia era começar a noite com o reggae dub “Jardineiro”, faixa do mais recente álbum da banda, de 2022. Tenta daqui, tenta dali, a coisa sai meio frouxa e não funciona. Então o rapper Marcelo D2 para tudo, olha para o público, e decreta, antes de recomeçar o show: “Vamos fazer o que a gente faz há 30 anos!” E assim, na noite de quinta-feira, no Espaço Unimed em São Paulo, o Planet Hemp de fato deu a partida na gravação do DVD “Baseado em fatos reais”, com o qual comemora suas três décadas de sobrevivência, cantando a maconha e a resistência aos autoritarismos.

Gravação do DVD de 30 anos do Planet Hemp — Foto: Wilmore Oliveira / Divulgação

O palco em terras paulistanas foi uma escolha da banda carioca que nasceu por inspiração de nomes do punk rock e do rap de lá, e se tornou a melhor unidade de fusão dos dois estilos no Brasil. Foi uma noite em que os músicos convidaram um largo contingente que incluiu seus mestres, contemporâneos e discípulos para celebrar 30 anos de fumaça e de fogo. D2 e BNegão comandaram as rimas em pé de igualdade, enquanto os convidados às vezes hesitavam em deixar o palco e ficavam por lá, só curtindo a festa.

Antes do show, nos camarins, a chegada de velhos amigos dos tempos do underground carioca era saudada pela banda. Entre eles, a produtora Elza Cohen (do festival Superdemo, que revelou o Planet) e o DJ Wilson Power, que abriu a noite tocando clássicos do rock alternativo e do rap dos anos 1980 e 90 e presenteou D2 com a camisa que ele usaria no show: a da extinta boate Basement, na Galeria Alaska (Copacabana), parte fundamental da cena que daria origem ao Planet Hemp.

— Essa energia que tem aqui é única. “Jardineiros’ (o primeiro disco de inéditas da banda em 22 anos), a gente fez para deixar os amigos do Planet Hemp orgulhosos — dizia D2 antes do show.

Participações especiais

Emicida e Seu Jorge na gravação do DVD de 30 anos do Planet Hemp — Foto: Wilmore Oliveira / Divulgação

Emicida e Seu Jorge na gravação do DVD de 30 anos do Planet Hemp — Foto: Wilmore Oliveira / Divulgação

E com a música nova mais acertada, depois que o show engrenou, o Planet Hemp não só fez o público cantar junto o refrão “jardineiro não é traficante” como ainda preparou os ânimos para os primeiros clássicos da banda, na dobradinha “Esquadrilha da fumaça” e “Fazendo a cabeça”, que provocou a abertura das primeiras rodas punk.

Clima perfeito para uma outra do novo disco, “Distopia”, que expõe a indignação em tempos de juízes e super heróis, com uma participação feroz (no disco e ali também, no palco) de Criolo, rapper paulistano para quem o Planet “faz parte da vida, é referência de postura” — e que a banda hoje considera um membro honorário.

Da novíssima geração do trap carioca, o MC Major RD ajudou o Planet a atualizar com muita força a sua mistura de rap e punk hardcore em “Taca fogo”. Não tão jovem, mas de uma geração anterior à de Major, Emicida também deu o ar de sua graça, em versos fortes inseridos em “Nunca tenha medo”. A canção foi dividida com outro convidado de peso: Seu Jorge, que já foi percussionista do Planet. Com um visual novo, de cabelo black e bigode, ele ainda trouxe sua flauta para abrilhantar o funk instrumental “Biruta”.

E eis que Marcelo D2 então anuncia o “momento que geral esperava há muito tempo”. Diretamente de Niterói, o ex-Planet Black Alien, de cabelo moicano, surge para reviver com e BNegão seus versos velozes e contundentes, em “Queimando tudo”, “Deizdasseis”, “Zerovinteum” e “Contexto”. Uma das partes mais emocionantes do show, levada a cabo por um trio que não se juntava há pelo menos 20 anos.

Homenagens aos amigos que se foram

Outro momento de emoção — um pouco mais violenta — foi quando o americano Mike Muir, vocalista da lendária banda de skate punk dos anos 1980 Suicidal Tendencies (“o cara que todos nós imitávamos”, observou D2) subiu ao palco. Na incrível vitalidade dos seus 61 anos, agitou “Salve Kalunga”, feita para um músico e skatista amigo do pessoal do Planet e precocemente falecido.

E se a noite da banda foi de grandes presenças, ela também foi de ausências, de amigos que se foram, mas não deixaram de ser lembrados por D2 e BNegão: Skunk (fundador do Planet), Speed FreaksMarcelo YukaChorãoSabotage Chico Science, este homenageado em uma tocante versão de “Samba Makossa”.

Mas havia ainda algumas presenças femininas para completar a noite. Lenda do pós-punk paulistano dos 80, o trio As Mercenárias forneceu vocais para a versão do Planet (seus fãs roxos) na sua “Me perco nesse tempo”. E a estrela Pitty, companheira da banda no underground dos 90, quando cantava no grupo Inkoma, entrou na onda metalcore que os anfitriões imprimiram à sua “Admirável chip novo.”

E como levar ao clímax uma noite que teve inúmeros hits do Planet Hemp, versos certeiros, rodas punk (uma delas com D2 e BNegão no meio do público) e participações ainda de Rodrigo Lima (Dead Fish), Kamau e os ex-Planet Zegon e Apolo 9? Só mesmo num “Dig dig dig” que unisse a pressão de um Planet com a de um BaianaSystem — um sonho realizado, com direito a confissão no palco do cantor Russo Passapusso: “máximo respeito à nossa maior influência!”

Depois disso, o que restou ao Planet Hemp foi repetir algumas músicas para a gravação e encerrar a fatura em um “Mantenha o respeito” com D2 segurando um gigantesco cigarro de maconha cenográfico — um bagulhão, como aquele mascote da equipe de som de funk ZZ Disco, apreendido pela polícia nos anos 90. Era a graça possível numa nova era de discussão sobre a maconha.

— A gente sempre foi bem acolhido aqui em São Paulo, esse show esgotou rápido, foram 7 mil ingressos — festejava BNegão no camarim, ao fim da gravacão. — A ideia agora é levar esse show ao Brasil todo. Tem músicas que a gente estreou nele, como “Não vamos desistir” e “Nunca tenha medo”, a gente continua com essa vontade de fazer som e de influir na condição social do Brasil. Acho bom que tenhamos mantido nossa relevância.

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