Um dos mais conceituados nomes da literatura acreana, o poeta, escritor e jornalista, Mauro D´ávila Modesto da Costa, completou nesta sexta-feira, 3, 80 anos de idade, ao lado de sua esposa, a também poetisa, escritora e professora, Edir Marques, que reuniu familiares e amigos para celebrar a vida de um dos maiores pensadores e narradores da memória e da poética acerca do Acre e da Amazônia em versos que traduzem o amor, a alegria e a saudade das vivências de sua terra natal, a cidade de Sena Madureira, situada no Vale do Purus.
Como lembrança, o poeta recebeu das mãos da jornalista Silvania Pinheiro, uma singela homenagem na qual ela retrata, através de um artigo acadêmico, a obra de Mauro Modesto, intitulado “Entre a saudade e o riso, o “Poeta do Cafezal” dá lugar a poética da voz e da memória à Sena Madureira”.
O resumo acerca da poesia de Modesto é de autoria da jornalista Silvania Pinheiro e da psicóloga e professora do IFAC, Jirlany Marreiro Bezerra, que abordam as narrativas orais e a memória de personagens da literatura amazônica, a partir de uma perspectiva da poética da voz e da escrita, discorrendo sobre várias obras do poeta através do lugar de vivências, saberes e inspirações para o autor em centenas de poesias, em parte dedicada à saudade e a memória de sua terra natal, à família e aos amigos, manifestando o pensamento e o conhecimento dos sujeitos e das tradições que permeiam a Amazônia acreana.
Leia a homenagem da Jornalista Silvania Pinheiro
A partir dos conceitos de memória e identidade, o trabalho sobre os estudos e práticas literárias tem as poesias e versos de Mauro Modesto da Costa como objeto de estudo num cruzamento com referências de vários autores estudados durante a aplicação da disciplina Oralidade, Tradição Oral e Literatura Oral do qual Silvania foi aluna especial e Jirlany é doutoranda do Curso de Doutorado em Linguagens e Identidade, da Universidade Federal do Acre (UFAC).
O texto de quinze páginas traz uma sequência de entrevistas com Mauro, realizadas em 08 de dezembro de 2021, na varanda de sua casa, em Rio Branco. E, apoiadas nas narrativas de Mauro sobre sua infância, juventude e trajetória intelectual e cultural, as pesquisadoras imergem entre o universo literário de conceituados teóricos africanos, alemãos e franceses, e Mauro Modesto, revelando que a poética da voz e da memória transpõem mentes e corações no infinito do ser, do tempo e do espaço.
“Sem a lógica de fatos e momentos, a literatura é atemporal e dona de si. Não domina o tempo, o espaço e o ser a quem ela mesmo se atreve a possuir. E, assim, tal como a África de Hampatê Bâ, em “Amkoullel, o menino fula” (2003), a Sena Madureira do poeta e escritor, Mauro Modesto da Costa, o faz rememorar os cantos, as danças, rezas, ritos e mitos de sua infância ao qual a criança está imersa em um ambiente cultural particular, do qual se impregnará segundo a capacidade de sua memória. (HAMPÂTÊ BÂ, 2010, p.201)”, diz um trecho do artigo.
Nosso poeta, criado às margens do Igarapé Cafezal, entre brincadeiras de menino, banhos e lavação de roupas da mãe Iracema Modesto, rememora em suas dezenas de livros a magia do tempo, da presença e dos afetos de sua infância. Ao pôr-do-sol de uma quarta-feira, em sua bucólica varanda rodeada por flores, uma narrativa percorreu a tarde com recordações de uma meninice ávida por aventuras, tomada pela alegria e a magia de ser e do ser criança…Mauro rememora o sonho, a infância, a mãe, seus poemas e versos que vagueiam entre a saudade e o riso do também conhecido “Príncipe dos Poetas” acreanos.
Entre falas abertas e sentimentos profundos, um diálogo com as autoras deste artigo, o inspira a revelar suas memórias de infância em cenários festivos e radiantes, e assim o poeta senamadureirense tece por vozes humana o passado e o presente, o sagrado e o profano, entrelaçando extremos de sua capacidade de narrar ao ato de rememorar. Mauro Modesto, em seus escritos apresenta os enunciados sua própria história. Rememora, assim como relata Benjamim (1985), e debruça-se sobre sua experiência e consequentemente marca a narrativa sobre si próprio e sobre outros sujeitos. (BENJAMIN, 1985, p.199). Bem como, o poeta se autodescreve:
“Eu me considero um dos meninos do Cafezal! De vez em quando eu cito. É tanto que eu sou considerado o Poeta do Cafezal, eu me criei no Cafezal. Mamãe ia lavar roupa no verão. Ela enchia aquelas bacias. Tu lembras daquelas bacias? Ela levava uma e eu levava outra. Ela ia na frente, eu atrás. A água era limpa, azulzinha, maravilhosa… A gente bebia água, tomava banho, lavava roupa, pois não havia despejo de esgoto. O Cafezal era vivo, totalmente limpo, e a nossa única diversão. Mamãe dizia: Mauro, leva a roupa lá pra cima. Lá em cima existia uma planície que ia até a casa do seu Zé Leite, um dos primeiros crentes da Igreja Batista. Lá, eles tinham uma serraria. Eles plantavam feijão, milho, muito milho!
Lá, eu estendia a roupa na grama baixinha, Aí, eu colocava a roupa no coradouro. Lembra do coradouro? Eu estendia a roupa, depois descia e pegava sol. Eu era peralta! Era muito peralta! Aliás, todos os meninos do Cafezal eram muito peraltas. Tinha que ser peralta, ou o jacaré te comia…rsrs (CITAÇÃO DA FALA EM ENTREVISTA DE MAURO MODESTO. RIO BRANCO- ACRE – DIA 08 DE DEZEMBRO DE 2021).