Depoimentos têm desmontado esquemas de corrupção e abalado estruturas de governos

 Análise CONTILNET: O poder da confissão

Por Thalis Gutierrez

De acordo com a legislação brasileira, a delação premiada é um benefício legal concedido a um réu que aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros de crime. Nos últimos anos, o estouro de inúmeros esquemas de falcatrua e corrupção instaurados em todas as esferas de poder no Brasil fizeram que o benefício passasse a ser constantemente utilizado por acusado a troco de que a pena pelo crime cometido seja de certa forma “aliviada”.

O descobrimento de esquemas de aquisição de propina e desvio de recurso público, envolvendo parlamentares ligados a empresas como a OAS, Odebretch e até a própria Petrobrás, foi um dos responsáveis pelo enfraquecimento do governo da presidente afastada Dilma Rousseff (PT). Entre os escândalos mais famosos, o caso da refinaria de Pasadena e a facilitação na venda de ações da Petrobrás ganharam repercussão nacional. Já os delatores mais citados na imprensa nacional são Nestor Ceveró e Delcídio de Amaral, senador do Partido dos Trabalhadores cassado este ano.

O questionamento sobre a conduta de membros da equipe do governo, assim como o déficit estratosférico criado pela gestão de Dilma Rousseff, levantaram dúvidas a respeito da competência da presidente. Acalentada pela crise econômico-político-social que assola o País, a aceitação da petista diante da sociedade perdeu força, dando início a uma polarização social, que se compara a uma espécie de guerra civil entre os “esquerdistas da mortadela” e os “coxinhas da direita”.

Com a base governista estremecida e partidos anunciando rompimento com o governo federal, Dilma foi acusada de irresponsabilidade fiscal no comando do País e afastada após a instauração do processo de impeachment contra ela, aprovado em votações apuradas na Câmara Federal e posteriormente no Senado. A presidente agora aguarda até 180 dias afastada de suas funções presidenciais, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julga se é procedente ou não que o impeachment de seu mandato seja executado.

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Os nomes do governador Tião Viana e da chefe da Casa Civil, Maria Regina, são citado no processo da Operação Lares por Rossandra Melo/Foto Secom (adaptda)

No Acre

O caso mais recente de confissão à Justiça no Acre aconteceu no desmantelamento do esquema fraudulento de venda de casas populares na Secretaria de Habitação e Interesse Social do Estado do Acre (Sehab).

A empresária Rossandra Melo, acusada de participar no processo ilícito de venda e redirecionamento dos imóveis do programa federal Minha Casa Minha Vida, após ter a prisão preventiva decretada pela Polícia Civil na Operação Lares e dois habeas corpus negados pela Justiça do Estado, foi intimada a prestar depoimento ao delegado da Polícia Civil responsável pelo caso, Roberth Alencar, para que entregasse os demais responsáveis pelo esquema. Entre os acusados, estão os diretores executivo e social da Sehab, Daniel Gomes e Marcos Huck, respectivamente, a ex-funcionária terceirizada Cícera Silva, a ex-servidora Cleuda Maia, dois parentes de Rossandra e outros dois funcionários da Sehab.
Durante o processo de depoimento e a quebra de sigilo telefônico de Rossandra, foram descobertos cheques nominais, listas de beneficiados, recibos e o possível organograma do esquema. Uma das maiores revelações foi feita após a leitura de uma carta de confissão escrita à mão pela empresária, na qual ela cita a participação de membros do alto escalão do governo estadual, como a figura da chefe da Casa Civil do estado, Márcia Regina, que seria responsável por uma lista de 125 nomes que deveriam ser agraciados com imóveis na intenção de recapitalizar o dinheiro injetado na campanha eleitoral de 2014 do governador Tião Viana.

Em um outro trecho do processo de investigação, em que foram anexadas transcrições de conversas telefônicas e mensagens trocadas via o aplicativo WhatsApp de um celular apreendido com Rossandra, é citado um aviso dado por líderes da equipe do governo estadual que cada secretário deveria arcar com uma doação de R$ 60 mil para a campanha de reeleição de 2014.
As declarações confirmadas por Rossandra em depoimento gravado pela Polícia Civil ganharam imensa repercussão na imprensa acreana, que faz um trabalho de dissecação de toda a estrutura do esquema, nota após nota. As equipes de comunicação do governo fizeram questão de rechaçar as informações veiculadas, as quais, de acordo com elas, seriam inverdades a fim de manchar a honra de pessoas de bem, que prestam relevantes serviços ao governo do estado.

A única certeza é que as supostas atividades ilícitas de secretários de estado e membros da equipe do governo passaram a ser fortemente questionadas pela opinião popular. Um agravante para o caso é ainda a ocupação do hall da Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac) por famílias que aguardam a entrega das casas prometidas pelo programa federal Minha Casa Minha Vida ou que estão com o aluguel social atrasado.

A incerteza criada a respeito da gestão da presidente Dilma Rousseff acabou criando
questionamentos árduos contra a conduta dos membros do PT, a cujo partido o governador do Acre pertence. É nítido o abalo na imagem e nas bases eleitorais do atual governo do estado, provando assim, mais uma vez, o poder de uma confissão de envolvidos em esquema de corrupção.

Reincidência

Não é a primeira vez que a licitude das atividades da equipe do governo do estado atual é questionada. Em maio de 2013, a Polícia Federal deflagrou a Operação G-7, responsável por investigar fraudes em licitações em Rio Branco. O esquema funcionava de maneira em que as construtoras envolvidas simulavam concorrer entre si, com a finalidade de controlar o vencedor do processo licitatório. Na época foram decretadas as prisões do secretário de Obras e o Adjunto de Gestão Municipal, assim como servidores públicos e empreiteiros.

Possíveis questionamentos

É conveniente lembrar o quão apertado foi o resultado das últimas eleições para o cargo de governador no estado.

A diferença de votos apurados entre o atual governador Tião Viana (PT) e Tião Bocalom (à época candidato pelo PSDB) na disputa eleitoral de 2010 foi de exatamente 1,33%. Já em 2014, no segundo turno, disputando contra o então deputado federal Márcio Bittar (PSDB), Tião Viana ganhou apenas por 2,58%.

Considerando as diferenças percentuais tão pequenas das eleições e o estrago causado pelo depoimento de Rossandra Melo citando doações de caráter duvidoso à campanha de Tião Viana, é possível que se imagine qual seria a dimensão de influência da suposta utilização da máquina pública.

Obviamente é de inteira responsabilidade da Justiça Eleitoral julgar a legalidade do processo eleitoral, mas, em um estado como o Acre–que conta atualmente com 33 mil servidores estaduais aproximadamente na folha de pagamento–, seria de certa forma ingenuidade nem ao menos imaginar até que ponto as eleições foram decididas pelo contingente de votos livres, e a partir de que momento cargos e recursos públicos podem ter feito a diferença.

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