O Flamengo perdeu a invencibilidade de mais de cinco anos no Maracanã na Libertadores justamente para o seu último algoz. Roteiro de cinema (uruguaio, é claro): vitória do Peñarol por 1 a 0 na noite desta quinta-feira. O natural favoritismo rubro-negro esbarrou no pragmatismo e na falta de criatividade e, no momento, qualquer perspectiva de melhora parece utópica.
Qualquer análise se constrói pela relação entre a expectativa criada e a realidade apresentada. É impossível separar os dois. E talvez seja por isso que o Flamengo de 2024 seja tão decepcionante. Clube com faturamento bilionário, elenco qualificado e uma das melhores comissões técnicas do país.
Era difícil imaginar que a combinação se tornasse questionável. Mas a verdade é que o Flamengo apresenta um desempenho dentro de campo muito aquém do que as peças podem render. E, claro, muito aquém do que se esperava do trabalho de Tite. O “estar vivo nas três competições” é pouco.
Foram poucas as vezes na temporada que o rendimento do time correspondeu às expectativas. E a partida contra o Peñarol passa longa de estar nesta – curta – lista. O Flamengo fez na noite desta quinta-feira uma das partidas mais preocupantes do ano.
Mas por que preocupante? Pela exibição: um time de muito pragmatismo e que teve muita dificuldade de criar e furar a inteligentíssima retranca uruguaia. Pela importância do jogo: o resultado fará o time precisar reverter fora de casa sendo que nunca venceu o Peñarol como visitante. Pela falta de perspectiva: o tempo de trabalho já deveria resultar em melhores atuações.
É importante reforçar que o Flamengo atravessa desafios quase rotineiros em relação às lesões. Não tem todo mundo à disposição desde fevereiro. Perdeu três jogadores até o ano que vem (Cebolinha, Viña, Pedro). Perdeu outros dois por pelo menos mais de um mês (Michael e Luiz Araújo).
Cada desfalque é uma dificuldade maior para encaixar em meio ao desumano calendário do futebol brasileiro. É evidente que o contexto também precisa ser colocado na balança. Agora voltaremos a falar da derrota para o Peñarol para entender o que aconteceu no Maracanã.
Foi por conta de algum desfalque que Léo Ortiz precisou atuar como volante. Ele recuperou a essência da base, se (re)adaptou e se consolidou como um dos melhores jogadores da posição. Foram tantos “improvisos” que o zagueiro se tornou peça chave no meio de campo. E talvez aí apareça o primeiro erro de Tite nesta partida.
Time titular: Rossi, Varela, Fabrício Bruno, Léo Pereira, Alex Sandro, Pulgar, De la Cruz, Arrascaeta e Gerson, Bruno Henrique e Plata.
Há quem diga que “em time que está ganhando não se mexe”. Mas Tite mexeu. Léo Ortiz foi titular no meio de campo nos últimos sete jogos. Foram diferentes companheiros no setor neste período. Mas, contra o Peñarol, Ortiz voltou para o banco e o técnico apostou na então “formação ideal” do meio na temporada: Pulgar, De la Cruz, Arrascaeta e Gerson.
A última vez que o quarteto esteve em campo havia sido também na Libertadores, contra o Bolívar, na vitória por 2 a 0 no Maracanã, pelas oitavas de final. Mas desta vez não deu certo. Com os uruguaios praticamente retornando de lesão e o chileno vivendo má fase, o Flamengo sofreu no meio-campo, defensivamente e ofensivamente.
O Peñarol abriu o placar logo aos 12 minutos com uma transição muito rápida em contra-ataque criado a partir de um erro de Pulgar, que arriscou um passe mesmo tendo opções livres para receber. Comprometeu. O gol desestabilizou. O nervosismo e a ansiedade em reverter tomaram conta, e o Flamengo se tornou um time apressado e nada efetivo.
O Rubro-Negro cresceu nos minutos finais do primeiro tempo. Passou a criar um pouco melhor e conseguiu chegar mais vezes ao ataque quando Bruno Henrique encontrou o espaço para agredir. Mas isso durou pouco. E o Flamengo foi para o intervalo com quatro chances desperdiçadas: cabeçada de Plata na trave, cabeçada de Bruno Henrique em cima do goleiro Aguerre, um chute do Arrascaeta defendido e um chute de Gerson que desviou na defesa.
O time até tentou manter a intensidade no segundo tempo, mas faltou articulação e criação para conseguir quebrar a defesa. Em péssima noite de De la Cruz e Arrascaeta, o Flamengo melhorou com a entrada de Léo Ortiz (mais uma vez pelo meio). Ele trouxe o máximo de dinamismo visto no Maracanã nesta noite.
Tem momento que só o talento individual é capaz de salvar um resultado. Foi assim que se desenhou a partida do Peñarol ao longo do segundo tempo. Mas o azar do Flamengo foi que suas lideranças técnicas viveram uma noite para esquecer. E as oportunidades criadas não foram aproveitadas.
Falta efetividade ao time que ainda precisa aprender a lidar com a falta do maior artilheiro do país nesta temporada (Pedro) e que viu um dos jogadores mais decisivos dos últimos anos (Gabigol) viver uma má fase e sequer ter a oportunidade para uma reação. Foram pouquíssimas chances como titular (3), poucos minutos jogados e, em sua maioria, fora da posição de origem.
O resultado é reversível em Montevidéu. Mas o cenário está longe de ser ideal diante das condições. A necessidade de fazer dois gols de diferença para se classificar sem penalidades pode não ser uma tarefa tão fácil para um time que precisava se reinventar para encontrar uma forma de jogar diante de cada novo desfalque. Isso dificulta qualquer possibilidade de padrão técnico e tático.
– Vai criar metade das oportunidades que criou hoje e vai fazer gol lá (em Montevidéu). Me cobra depois.
Mas o técnico Tite parece confiante, como externou em coletiva. A ver o quão mobilizado o time estará para se manter “vivo nas três competições” e o quanto quatro sessões de treino podem mudar o desempenho. Mas antes há o Grêmio, pelo Brasileirão, no domingo.