A floresta amazônica é muito antiga. As evidências mais remotas da existência de uma floresta tropical “moderna” na porção setentrional da América do Sul remontam há 60 milhões de anos. Por moderna, entenda-se uma floresta tropical com a mesma composição de grupos de plantas da floresta amazônica contemporânea. No norte da Colômbia, mais precisamente numa região árida chamada Cerrejón, havia naquele passado distante uma grande floresta alagada. No local fica hoje um imensa mina de carvão a céu aberto. O minério de lá extraído se formou a partir da mineralização da matéria vegetal daquela antiga floresta. Na mina, também vêm sendo achadas nos últimos anos milhares de folhas petrificadas, testemunhos fósseis dos grupos de plantas que lá cresciam há 60 milhões de anos.
A partir de 2008, paleobotânicos colombianos começaram a identificar entre aqueles fósseis exemplares de praticamente todos os grupos de árvores presentes na Amazônia atual. Há 60 milhões de anos, na floresta alagada de Cerrejón cresciam árvores das famílias das jaqueiras, figueiras e amoreiras (moráceas), da massaranduba (sapotáceas), dos ingás e angicos (fabáceas), da peroba (apocináceas), do salgueiro (salicáceas), das paineiras (malváceas) e da seringueira (euforbiáceas).
Aos animais de Cerrejón não faltava alimento, sob a forma dos frutos de árvores das famílias dos cacaueiros e cupuazeiros (malváceas), dos abacateiros (lauráceas), dos cajueiros (anacardiáceas), das gravioleiras (anonáceas), pitangueiras, goiabeiras e jabuticabeiras (mirtáceas), além dos cocos e coquinhos das palmeiras (arecáceas).
Como se percebe, há 60 milhões de anos as sementes da Amazônia moderna já haviam germinado e fincado raízes na floresta alagada de Cerrejón. Todas aquelas famílias de árvores, tão comuns na floresta amazônica atual, já se encontravam presentes. O que lhes faltava era diversidade. As folhas fósseis retiradas do fundo da mina de carvão pertencem a uma abundância de famílias de plantas, porém sua diversidade, em termo de gêneros, ainda era baixa. A seleção natural precisou operar por 60 milhões de anos para que os diversos grupos de plantas amazônicas atingissem a sua incrível diversidade atual.
Quanto mais se estuda tal diversidade, mais surpresas ela suscita. Veja por exemplo o caso das árvores. Um levantamento publicado em 2006 dava conta da existência de 1.119 espécies de árvores crescendo nas áreas úmidas amazônicas. Na verdade, este total é três vezes superior. As áreas úmidas da Amazônia são lar de 3.615 espécies arbóreas, ou seja, mais da metade (53%) das 6.727 espécies arbóreas contabilizadas para todas as terras baixas da Amazônia. É o que revela um estudo publicado na semana passada por ecólogos da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
A floresta amazônica se espalha por 7 milhões de km2, distribuídos entre noves países. O Brasil possui a maior parte deste patrimônio natural, ou 60% da floresta. O restante está distribuído entre Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Suriname, Venezuela, Guiana e Guiana Francesa. Neste levantamento, os autores combinaram dados disponíveis em inventários florestais e coleções biológicas de todos os nove países da bacia amazônica.
As terras baixas são as áreas que estão abaixo da cota de 500 metros de elevação, isto é, de zero até 500 metros acima do nível do mar.
“80% da floresta amazônica (5,6 milhões de km2) estão situados em terras baixas, que reúnem grande variedade de ambientes, como florestas densas, florestas abertas, cerrados, campinas, rios com diferentes tipos de águas (escuras ou claras), lagos, etc” explica Bruno Garcia Luize, o principal investigador por trás do estudo publicado na revista científica PLOS ONE.
As áreas úmidas amazônicas são as porções de terras baixas que passam quase metade do ano alagadas. As áreas úmidas se espalham por uma área de pouco menos de 2 milhões de km2, o que corresponde a 30% das terras baixas.
As áreas úmidas compreendem diversos tipos de vegetação, como igapós (terrenos frequentemente inundados), pântanos, campinas, mangues e várzeas que margeiam rios, lagos e igarapés..
“Cerca de 53% das espécies de árvores das terras baixas da Amazônia crescem em áreas úmidas, ou seja, o triplo da diversidade estimada anteriormente. Esta grande proporção é provavelmente o resultado do intercâmbio significativo de espécies entre hábitats florestais dentro da região amazônica, bem como resultado de processos de especiação localizados,” diz Luize.
As 3.615 espécies arbóreas de áreas úmidas da Amazônia estão compreendidas em 104 famílias botânicas, por sua vez distribuídas em 689 gêneros. As famílias arbóreas mais diversificadas são as leguminosas (578 espécies arbóreas),seguidas pelas rubiáceas (220), anonáceas (182), lauráceas (175) e mirtáceas (155 espécies arbóreas). As dez famílias com maior diversidade são responsáveis por 53% do conjunto de espécies arbóreas das zonas úmidas da Amazônia.
“Embora 69 famílias de árvores contem com metade ou mais de seus táxons amazônicos ocorrendo em áreas úmidas, não encontramos nenhum registro em zonas úmidas para 15 famílias com ocorrência conhecida na Amazônia,” explica Luize. Ou seja, tais famílias são exclusivas das terras secas. Não toleram a vida em terrenos alagados, que demandam um metabolismo diferente das árvores.”
Quando se analisa a lista de 3.615 espécies arbóreas ao nível de gênero, o gênero mais rico nas zonas úmidas da Amazônia é Inga, com 85 espécies de árvores, entre as quais o homônimo ingá (ou ingazeiro), seguido por Licania (69 espécies), Miconia (69 espécies), Pouteria (69 espécies) e Eugenia (59 espécies, como jabuticabeiras e pitangueiras).
Se, em 2006, eram reconhecidas 1.119 espécies arbóreas para as áreas úmidas amazônicas, e agora este número mais que triplicou, ainda resta muito por descobrir?
Segundo Luize, “o número de espécies de árvores nas áreas úmidas pode vir a aumentar, se houver descrições de novas espécies, através da coleta ou da análise de material guardado nas coleções dos museus, e se houverem novos registros de ocorrências de espécies para as áreas úmidas e que atualmente só conhecemos como ocorrendo nas terras firmes ou mesmo em outros biomas. As estimativas que o estudo apresenta indicam que conhecemos cerca de 75% das espécies que podem ocorrer em áreas úmidas.”
Quais teriam sido os principais fatores que possibilitaram a grande especiação de árvores nas áreas úmidas da Amazônia? “Para entender isso precisamos pensar em um tempo geológico bastante grande, precisamos recuar ao Mioceno (entre 23 e 5 milhões de anos atrás) e, e lá, vir caminhando através do tempo geológico até os dias atuais,” pondera Luize.
Aqui, o biólogo faz referência ao chamado lago Pebas, um imenso pantanal que havia no oeste da Amazônia entre 20 milhões e 10 milhões de anos atrás. O pantanal foi formado pelo represamento das águas da bacia amazônica, em função da progressiva elevação dos Andes. Naquele ambiente alagado, diversos grupos de árvores tiveram que se adaptar para sobreviver.
“Também precisamos pensar no tempo de vida de cada indivíduo. Há espécies de árvores que podem viver mais de 1.000 anos! De modo bem simples, pequenas mudanças nos locais onde as árvores crescem em relação aos locais onde seus pais cresceram, associado à herança ou não da capacidade de viver nesses locais diferentes, pode ter levado um grande número de espécies a acumular adaptações ao longo do tempo que acabaram por permitir que vivessem em florestas alagáveis,” explica Luize.
Uma grande parte da diversidade de plantas neotropicais é composta por táxons centrados na Amazônia. “A compreensão de suas histórias evolutivas e ecológicas pode melhorar nosso conhecimento sobre o desenvolvimento desse reino biogeográfico hiperdiverso.”
Para Luize, “a lista com o nome das 3.615 espécies é a grande contribuição desse trabalho”. Com ela, será possível avançar em estudos futuros, pois há um vazio de conhecimento botânico sobre as áreas úmidas, principalmente nos afluentes dos rios Solimões e Amazonas.