O médico infectologista e ex-governador Tião Viana (PT) escreveu uma carta para o atual chefe do executivo no Acre, Gladson Cameli, seu sucessor no Governo do Estado. O documento tem como data de entrega o dia 27 de julho, esta última quinta-feira.
Na carta, ao cumprimentar Cameli, Viana diz que, “sem procurar culpados”, sente-se no dever de tentar contribuir com uma reflexão sobre o narcotráfico no Acre e na Amazônia.
O médico também aborda no texto algumas outras questões, como consciência sócio-ambiental, respeito aos povos tradicionais e união transgeracional.
Tião, que também é professor da Universidade Federal do Acre, pediu redistribuição para a Universidade Federal de Brasília (UnB), onde deve iniciar um pós-doutorado e continuar com a carreira da docência.
CONFIRA O TEXTO NA ÍNTEGRA:
Governador Gladson,
Sem procurar culpados, sinto-me no dever de tentar contribuir com esta breve reflexão a despeito do narcotráfico no Acre e na Amazônia. Espero que seja útil.
O nosso amado Acre já é um adolescente da Colômbia dos anos 80, não há mais volta, a não ser que o Governo Federal entenda que a situação está destruindo gerações e vai agravar muito.
Os Estados fracassaram, são insuficientes para enfrentar o poder financeiro do narcotráfico. Quase tudo dominado. Há a presença de um estado paralelo em quase todos os lugares, gerando empregos como aviõezinhos e pagando mais de R$ 3 mil ao mês, para crianças de 14,15 anos, os quais, para alcançar um emprego básico e minimamente decente, demorariam cerca de 6 anos.
A necessária industrialização, a bioeconomia, a consciência sócio-ambiental, a fraternidade, a transformação do conteúdo pedagógico das escolas e universidades abrindo varadouros para um novo tempo, a transformação cultural…. Tudo em crise na Amazônia.
Alertamos ao governo federal reiteradas vezes, a fecundação dessa tragédia agravou quando, em 2010, as invasões do Morro do Alemão e outros do Rio de Janeiro levaram à busca de vários líderes das grandes facções para novos territórios na Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste.
A intimidade territorial com os países maiores produtores de cocaína, nos faz ver o Acre, Rondônia e Amazonas como passagem de “tropas de mulas”, das quais não apreendemos 1%.
Denunciamos, inúmeras vezes, que o golpe já estava edificado. Sugerimos no Acre, e conseguimos, viabilizar a criação do Sistema Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional de Segurança Pública para todo o Brasil, a exemplo do Sistema Nacional de Saúde, de Educação.
Em outubro de 2017, como governador do Acre, articulamos e conseguimos reunir todos os governadores do Brasil, além de vários ministros de Estado, para debater a gravíssima questão da segurança e o tráfico nas nossas fronteiras.?
Daquele encontro nasceu a “Carta do Acre”, apontamos caminhos para encontrarmos as soluções para um problema tão grave. ?
O enxergar, todavia, tem sido terrível. Infelizmente, as cooperaçoes efetivas entre os píses sulamericanos, as ações de inteligência integradas, a não verticalização dirigida pelo governo federal, a não prioridade para o tema, abrem oportunidade para essa epidemia incontrolável do narcotráfico.
Epidemia essa já instalada junto aos irmãos indígenas e povos tradicionais – rios e florestas adentro, da Foz do Breu, do Rio Amônia, do Badejo, do Mirim, do Moa, do Azul do Paraná dos Mouras, do Tarauacá, Murilo, Envira, Iaco, às Cachoeiras Inglesas nas nascentes do Rio Acre.
É doloroso testemunhar que a “ geração Z” na Amazônia é a zumbi (não a dos Palmares).
E, lamentavelmente, o debate pequeno e maniqueísta evita a mais necessária das emergências de hoje: UNIÃO E CORRESPONSABILIDADE INTERGERACIONAL.
“O ovo da serpente está disruptivo “
Mesmo sem estar mais na militância partidária, mas sendo a quarta geração de acreanos, terra que me deu a vida, família, amigos e ideais, sempre estarei solidário à causa por um Acre feliz
Respeitosamente,
Tião Viana
27 de julho de 2023